O caso começou nesta semana quando, à porta do Palácio do Planalto, em Brasília, um repórter perguntou a Jair Bolsonaro: Presidente, quando é que assina o diploma de atribuição do Prémio Camões e Chico Buarque?
“É segredo”, começou por responder Bolsonaro, para depois acrescentar, em tom entre ironia e sarcasmo: “Até 31 de Dezembro de 2026, eu assino.”
A data aponta para o final daquele que seria o segundo mandato presidencial, caso o atual Presidente quisesse e conseguisse ser reeleito em 2022.
Na verdade, a decisão de Bolsonaro terá de ser tomada até Abril do próximo ano, altura em que a entrega do mais relevante prémio literário da língua portuguesa deve ser entregue, em ato paralelo , conforme a tradição, à realização da cimeira luso-brasileira.
É uma entrega que tem na praxe decorrer com pompa de Estado, a presença dos dois presidentes, que devem discursar, tal como o distinguido.
Não é segredo que a escolha de Chico como vencedor do Prémio Camões, atribuído em conjunto pelos governos de Portugal e do Brasil desde 1989, causou mal-estar no Governo de Brasília.
O galardão é atribuído por um júri composto sobretudo por académicos de vários países lusófonos, mas cabe aos governos dos dois países a sua atribuição.
Escreve a Folha de São Paulo que a ala mais moderada no Executivo brasileiro tem tentado persuadir Bolsonaro a assinar o documento de entrega do prémio para não criar mais um foco de atrito internacional. Porém, o sector mais ideológico, com o qual Bolsonaro parece estar especialmente alinhado, defende que a recusa do Presidente marcaria uma posição forte tanto em relação ao ativismo político de Chico, como face à despesa pública com a Cultura.
Não é a primeira vez que a entrega do Prémio Camões está envolvida em polémica por causa do alinhamento ideológico do Governo brasileiro.
Em 2017, na cerimónia de entrega do prémio a Raduan Nassar, que fez discurso àspero contra o processo de impeachment a Dilma, levando o então ministro da Cultura, Roberto Freire, a defender o Governo de Michel Temer.
Chico Buarque é conhecido, e também demonizado por parte da sociedade brasileira, pela sua proximidade em relação ao PT.
Recentemente, o compositor foi visitar o ex-Presidente Lula da Silva a Curitiba, onde está preso há mais de um ano, e defendeu a sua libertação.
Em Lisboa, através do Ministério da Cultura, o Governo português limitou-se a garantir que a entrega do prémio a Chico Buarque não está minimamente em causa.
Também está garantido que o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, fã de sempre de Chico, quer participar.
Na última quinta-feira, o moçambicano Mia Couto, Prémio Camões em 2013, precisamente ao aterrar em Lisboa, vindo do Rio de Janeiro, fez questão de apelar a uma posição conjunta de protesto por parte dos galardoados com o Camões.
Este apelo chegou de imediato a Germano de Almeida, o cabo-verdiano distinguido no ano passado, que se pronunciou com ironia em apoio a Chico.
Ao mesmo tempo, em Lisboa, Hélia Correia, premiada em 2015, colocava-se na frente da posição conjunta.
Depois destes três premiados, sabe-se que vários outros, designadamente Manuel Alegre, Lobo Antunes, Maria Velho da Costa e Eduardo Lourenço, entre outros, se juntam à posição comum.
Entre Chico Buarque e Jair Bolsonaro há um oceano de distância, como se ouve na canção "Tanto Mar".