Quem acompanha o noticiário da tevê na Austrália talvez já tenha se deparado com a acadêmica brasileira Deborah Barros Leal Farias quando o Brasil vira assunto - em especial, nas eleições presidenciais de 2018 e 2022.
Ela tem se transformado na principal comentarista de assuntos brasileiros na imprensa do país, com participações na ABC, Canal 9 e Radio National, além de figura constante na SBS em português.
Em março, Deborah foi convidada a participar do podcast chamado "Defending Democracy", do ex-primeiro ministro liberal Malcolm Turnbull.
Líder do governo entre 2015 e 2018 através da chamada Coalizão, a aliança entre liberais e nacionais, Turnbull criou o podcast para analisar casos no planeta em que a democracia, em sua visão, está ameaçada e relacioná-la com a política australiana.
E o Brasil foi um dos destaques do episódio, com participação da professora Deborah, que leciona na escola de Estudos Sociais da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW).

A professora Deborah Barros Leal Farias, da UNSW.
Debora Barros Leal Farias percorreu um longo caminho acadêmico antes de chegar à Universidade de NSW em 2018. É a história dela que vamos contar agora.
Acadêmica desde sempre
A relação da professora Deborah com o ambiente universitário começou praticamente no berço. Seu pai foi professor da Universidade Federal do Ceará no Departamento de Física. E a ascensão profissional dele levou toda a família junto.
Deborah nasceu em Brasília, onde o pai fazia mestrado na época. E várias temporadas na terra da família, Fortaleza, foram entremadas com anos em outros lugares relacionados a projetos acadêmicos do paí, como em São Carlos, no estado de São Paulo, na Califórnia, onde Debora aprendeu a falar inglês na infância, depois próximo de Chicago, também nos EUA, em Antuérpia, na Bélgica, e depois, desta vez sozinha, na França, onde aprendeu o francês.
A atual professora da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW) cursou Economia na Universidade Federal do Ceará e Direito na Universidade de Fortaleza.
Mais tarde, defendeu mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Brasília, onde estudou a Paradiplomacia, ou seja, a diplomacia feita por entidades subnacionais. Depois foi parar no Canadá, para o doutorado na Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver. Ali apresentou uma tese sobre cooperação técnica entre países.

O ex-primeiro-ministro da Coalização Malcolm Turnbull, que hoje, âncora do podcast "Defending Democracy". Source: AAP / DAN HIMBRECHTS/AAPIMAGE
Austrália, quase por acaso
A Austrália entrou na vida da professora a partir da busca em um lugar para seguir a carreira acadêmica.
"Quando eu tava trabalhando no consulado, sabia que eu queria realmente dar aula na área acadêmica. Só que não é nada fácil, a competição é global. Foi um processo super complicado. A minha área sempre foi internacional, mas a minha formação foi muito variada com interesse em várias áreas diferentes. Na USNW, meu perfil com experiência acadêmica mas com experiência no mundo ‘real’ era o que eles tavam querendo. Então foram mais ou menos dois anos que eu ia atrás mandando para todo canto, que é normal na área. E tinha aparecido nestes anúncios… Eu procuvava muito Canadá, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. E acabou dando certo."
Diferenças das Ciências Sociais no Brasil e na Austrália
O mundo acadêmico das Ciências Sociais no Brasil é muito diferente do da Austrália. A professora Deborah Barros Leal comenta.
" Algumas (diferençãs) são até curiosas, tem coisa que eu não esperava. Por exemplo: quando comecei a fazer faculdade na Federal (do Ceará), foi no início dos anos 90... o Brasil tinha se redemocratizado, com currículo novo e tal. E, por exemplo, metade do curso era estudar a economia marxista, lendo 'O Capital'. As brigas de departamento era o pessoal que tinha estudado nos EUA versus o pessoal que tinha estudado na Europa e na América Latina. Então eu acho que tem no Brasil - e que faz sentido - são discussões muito mais refletindo essa realidade de país em desenvolvimento e dessa visão de mundo.
Pra quem estuda RI (no Brasil), o foco é a diferença de primeiro mundo, terceiro mundo, países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Canadá e na Austrália, o corte tende a ser entre Ocidente e Oriente.Deborah Barros Leal Farias.
"Tanto que muitas vezes vejo os alunos escrevendo críticas ao ‘West’... não, a crítica não é ao ‘West’, a crítica que você está fazendo é ao capitalismo, ao colonialismo. È um outro corte. É interessante ver como os pontos cardeais são diferentes, reflete bem essa nossa realidade em termos de terceiro mundo, de você dizer, principalmente quem está na América Latina, que o nosso corte nunca foi entre Ocidente e Oriente, e sim os ‘have’ e os ‘have not’, os que têm dinheiro e os que não têm."
"Então, nesse sentido, acho que a parte acadêmica da América Latina como um todo, do Brasil, ela reflete muito mais essa dinâmica dessa visão de mundo. Óbvio, estando na Austrália, bebendo na fonte da Ásia diretamente, a direção dos alunos volta muito para essa coisa de ‘East’ e ‘West’".
Dicas para quem sonha em seguir carreira acadêmica na Austrália
Para quem sonha com uma carreira acadêmica nas Ciências Sociais na Austrália, Deborah recomenda caprichar no inglês e ter um caminho bem definido através de seu doutorado.
O fundamental, querendo ou não, é ter conhecimento de inglês. Isso aí a pessoa pode achar que é colonialismo, que não deveria ser assim. Seria bom se não precisasse, mas é fundamental saber inglês para abrir essas possibilidades, é a língua franca da área acadêmica. A pessoa não pode ter ilusão, não é fácil, é um mercado que está ficando cada vez mais complicado. Não é impossível, mas é uma coisa que você não pode com o relógio contando ali super rápido…
Quando entrei no doutorado no Canadá, não conhecia ninguém, e quando eu entrei aqui, idem. Foi rápido? Não. Foi fácil? Não. Mas deu certo.Deborah Barros Leal Farias
Acho que tem que realmente procurar falar com professores, com pessoas que são da área que você está estudando, e tentar realmente se informar sobre como a coisa funciona. É um projeto que vocÊ tem que ter com um certo tempo”. REsumindo, pra dar aula, você tem que ter pelo menos um doutorado, porque doutorado, publicação, de repente experiência em coisas como governo, iniciativa privada, ONG´s, experiências paralelas que vão anunciando, mas em especial nesta área do doutorado e na publicação. Foca no inglês e ter paciência. (...) É possível, mas não é simples.
O assunto Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro é um assunto constante quando a professora da UNSW é chamada na mídia australiana. No podcast de Malcolm Turnbull, não foi diferente.

O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro. Source: EPA / JIM LO SCALZO/EPA
"O principal inimigo do Bolsonaro foi ele mesmo. Quando eu estava dando aula logo que começou o governo, tive uma aluna aqui da Austrália que veio perguntar pra mim, ‘professora, aquela história do golden shower… aquilo foi de verdade mesmo? Será que o perfil do presidente foi hackeado?' Todas as coisas mais absurdas que ele falou, todas chegaram. Realmente não é normal um chefe de Executivo falar do jeito que ele falava, se portava…."
Não foi uma visão positiva, e não foi só aqui na Austrália. Em qualquer lugar, qualquer acadêmico que estude Brasil, ele vai dizer que a imagem do Brasil retrocedeu mesmo. A imagem do Brasil como um todo não teve nada de positivo. O Bolsonaro foi colocado junto com o Trump, muito parecido, em termos de dizer (que) isso não é positivo, que inclusive na conversa com o Turnbull foi ele perguntando das lições do Brasil das coisas que valem para a Austrália… na meta dos 2000, acho que ninguém imaginava que o Bolsonaro teria capacidade de se tornar presidente do Brasil. A mesma coisa com o Trump."
São essas figuras (Bolsonaro, Trump) que, num momento de crise, de desconfiança da democracia e do sistema, é possível ter figuras que não tenham qualificação.Deborah Barros Leal Farias.
"E nem é uma discussão sobre o Lula, nada a ver com o PT. Mas é uma discussão de pessoas que não têm qualificação, um histórico medíocre, que é o caso do Bolsonaro em termos de política, mas consegue ser esse voto do contra. Isso é muito periogoso."
"Para mim, foi mais essa conversar de dizer que pode acontecer em qualquer lugar, de pessoas que estão num pólo extremo, que tem posições extramente questionáveis, elas subirem à posição de liderança. Se tiver esse vácuo da democracia do centro, e comentando essa condição de fake news. É um risco que todo país corre, toda eleição corre".
Aqui na Austrália, talvez ainda não estejam preparados para a podridão que pode vir com uma eleição com notícias completamente falsas e descabidasDeborah Barros Leal Farias
"É um risco que toda democracia corre, que dirá países que não são democráticos.
Siga ano , e e ouça . Escute a ao vivo às quartas-feiras e domingos.