Brasileiro é um dos poucos jornalistas a receber visto 'Talento Distinto' na Austrália

Felippe 1.jpg

O brasileiro Felippe Canale foi um dos poucos jornalistas estrangeiros a conquistar o visto 'Talento Distinto' pela excelência do trabalho realizado por ele na profissão. Source: Supplied

Felippe Canale atribui conquista de visto permanente a conteúdo em texto, áudio e vídeo sobre sexualidade, comunidade LGBTQIA+ e inclusão social, traduzido para 14 línguas e publicado em 18 países. "Eu não teria conseguido sem os entrevistados, que confiaram em mim para contar suas histórias sobre temas tão delicados".


A SBS em português já noticiou algumas vezes nos últimos anos que integrantes da comunidade de falantes da língua portuguesa na Austrália conquistaram o que passou a se chamar em 2021. Se trata de um visto raro, destinado a pessoas com históricos reconhecidos internacionalmente de realizações excepcionais nas suas áreas de atuação.

O brasileiro Felippe Canale teve o Distinguished Talent visa aprovado pela sua trajetória como jornalista. Nessa entrevista, Felippe, que tem conteúdo publicado em 14 línguas e 18 países, inclusive na SBS Portuguese, fala sobre o longo processo para obtenção do visto e do conteúdo que produz em texto, áudio e vídeo sobre sexualidade, comunidade LGBTQIA+, da qual é integrante, e inclusão social.

Visto raro para jornalistas

SBS Portuguese: Nas informações que você nos enviou sobre seu visto, havia um e-mail da sua agente de imigração dizendo que ela buscou nos registros de vistos de talento distinto aos quais ela tem acesso e só encontrou um único registro desse visto concedido a um jornalista espanhol, em 2001, mais de 20 anos atrás. Ela destacou que esse tipo de visto é mais procurado e mais usado por profissionais das artes e dos esportes. Como surgiu a ideia de você tentar esse visto através da profissão de jornalista?

Felippe Canale: Eu trabalho como jornalista há mais de 12 anos escrevendo matérias e o meu marido, Marlon é editor de vídeo. Ele passou a me ajudar a editar vídeos, podcasts e juntos começamos a contar histórias em diferentes formatos.

Quando chegamos na Austrália, o primeiro trabalho que fizemos juntos foi ir às ruas de Melbourne perguntar para pessoas de diferentes nacionalidades qual era a significado de felicidade para elas. A gente postou esse vídeo no Facebook, ele acabou viralizando e foi parar na ABC (emissora australiana).

Nos convidaram para uma entrevista na rádio ABC e a partir daí eu comecei a escrever para a VICE Austrália. Eu também comecei a escrever e fazer podcasts para SBS em português. Aí surgiu a ideia de aplicar para esse visto, quando decidimos que queríamos ficar na Austrália.
A primeira agente de imigração que procurei, falou: 'Esse visto não é pra você. Desiste'. Como sou teimoso, fui buscar uma segunda opinião.
Felippe Canale, jornalista
Acho importante dizer que quando a gente está correndo atrás do nosso visto, devemos buscar uma segunda, terceira, quarta opinião. E foi isso que a gente fez. A segunda agente de imigração que eu consultei me disse: "esse visto é a sua cara. Vamos aplicar sim. Eu tenho certeza que você vai conseguir". Foi assim que a gente resolveu aplicar.
Felippe e Marlon.jpg
Felippe e o marido, Marlon, que é editor de vídeo, começaram a produzir conteúdos em áudio e vídeo na Austrália, além dos textos que Felippe já fazia, sobre a comunidade LGBTQIA+, sexualidade e inclusão social. Source: Supplied
Sexualidade, comunidade LGBTQIA+ e inclusão social

SBS Portuguese: Uma das exigências da imigração para que uma pessoa seja elegível ao visto 'Talento Distinto' é que ela seja útil para a comunidade australiana nos âmbitos econômico, social ou cultural. Você comprovou isso apresentando seu conteúdo voltado para a comunidade LGBTQIA+?

Felippe Canale: Sim, eu sempre escrevi sobre a comunidade LGBTQIA+, sobre inclusão social e também sobre sexualidade, que ainda são temas considerados tabus, seja no Brasil, na Austrália ou em qualquer parte do mundo. Como você falou, para esse visto eu tinha que comprovar que o meu trabalho pudesse contribuir para a sociedade australiana.

No ano em que cheguei aqui junto com o meu marido, 2017, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado. A Austrália agora (2023) vai fazer uma votação para que as primeiras nações tenham uma voz no parlamento. Então a Austrália é um país muito progressista. Eles admiram muito todo tipo de trabalho que tem esse cunho de inclusão social.
Acredito que a imigração considerou que os temas dos meus conteúdos e a forma como são tratados contribuem para uma sociedade mais igualitária.
Felippe Canale, jornalista
SBS Portuguese: Outra exigência para que você seja elegível ao visto é ser nomeado por um cidadão australiano, residente permanente ou ainda uma organização australiana com reputação nacional no mesmo campo que você. Quem te nomeou para esse visto?

Felippe Canale: Eu apliquei para esse visto há dois anos e seis meses. Quem me nomeou foi o Julian Morgans, na época editor-chefe da VICE na Ásia e Austrália. Ele escreveu uma carta explicando para o governo australiano por que ele acreditava que eu era um talento distinto. Para isso explicou como era o meu trabalho, quais eram os tipos de pautas que eu fazia.

Uma vez ele me disse que queria muito uma matéria sobre gêmeos siameses. Eu fui atrás. Demorou três meses até que eu encontrasse os personagens. Eu encontrei um caso no Brasil, de um cirurgião que já tinha realizado mais de 20 cirurgias para separar gêmeos siameses. Em um dos casos ele separou duas crianças e uma delas anos depois estudou para se tornar cirurgiã e passar a separar gêmeos siameses. Essa história foi publicada e traduzida para diversos países.

Uma outra história que eu escrevi para a VICE foi sobre um profissional do sexo aqui na Austrália, especializado em atender pessoas com algum tipo de debilidade física. Ele oferece experiências sexuais para pessoas paraplégicas, tetraplégicas, cegas, surdas. Para essa matéria, eu entrevistei a mãe de um garoto gay paraplégico que deu de presente no aniversário de 18 anos dele uma noite com esse profissional do sexo. Eu sempre tento encontrar pessoas que estejam dispostas a contar as suas histórias para assim quebrar preconceitos e inspirar outras pessoas.
Eu pego temas que são considerados tabus, temas sobre os quais as pessoas ainda não falam muito, e tento humanizar essas histórias.
Felippe Canale, jornalista
Para a SBS em português eu já produzi um e outro sobre . Tudo sobre inclusão social, para que a gente tenha uma sociedade mais justa.

Reconhecimento internacional

SBS Portuguese: Vários artigos seus foram publicados em outros países além do Brasil e da Austrália. Esse é outro dos requisitos para ser elegível ao visto 'Talento Distinto': ser reconhecido internacionalmente com histórico de realizações, no seu caso, na profissão de jornalista. Como você comprovou isso?

Felippe Canale: Eu tive que montar um portfólio com todo o meu trabalho, que já foi publicado no Brasil, na Austrália e em outros países, comprovando com muitos links e cartas de editores de outros países, pois tenho matérias que escrevi em inglês e foram traduzidas para mais de 14 idiomas e publicadas em 18 países. Isso me ajudou muito porque mostrou que meu trabalho, como eles falam, não tem fronteiras. Os assuntos abordados nos conteúdos são de relevância mundial.
É uma felicidade e um privilégio poder ter esse conteúdo traduzido para várias línguas e chegar a tantos lugares.
Felippe Canale, jornalista
Processamento do visto

SBS Portuguese: Quanto tempo durou todo o processo, desde a aplicação até a aprovação do visto? Como foi essa espera?

Felippe Canale: Foram dois anos e seis meses de espera e durante todo esse tempo a gente fica muito apreensivo porque a gente não sabe se o visto vai ser aprovado. A gente não sabe se esse pode ser o nosso último mês no país. Você fica naquela incerteza. Você vai ou não poder continuar no país que você agora chama de casa?
Em 2 anos e 6 meses de espera eu fiquei muito apreensivo. Sem saber se iria ou não poder continuar no país que eu já chamava de casa.
Felippe Canale, jornalista
Só no momento em que recebi a ligação da minha agente de imigração que consegui respirar aliviado, relaxar e pensar: "Ufa! Tudo valeu a pena". Então me passou na cabeça que se eu tivesse ouvido o primeiro agente de imigração que consultei, teria desistido antes mesmo de tentar. Ainda bem que eu procurei outras opiniões, decidi tentar para ver no que ia dar e consegui!
Meu conselho para quem quer ficar na Austrália é procurar diferentes opções de visto. Sempre que uma porta se fechar, procure outra.
Felippe Canale, jornalista
SBS Portuguese: Durante esses dois anos e seis meses, você só esperou ou você teve que fazer alguma coisa para "atualizar" a aplicação do visto?

Felippe Canale: Quando a gente aplica para o visto, entrega um portfólio mostrando nosso trabalho, e durante todo o tempo de espera é possível ir atualizando o portfólio. Então, nesses dois anos e seis meses de espera, foi isso que fui fazendo.

Eu fui produzindo mais conteúdo, inclusive para a SBS em português. Daí eu fiquei esses dois anos e seis meses aumentando o meu portfólio. Toda nova matéria, novo vídeo ou podcast eu ia acrescentando ao meu portfólio, tanto que ele chegou a mais de 130 páginas.

Minha agente de imigração atribui a conquista do meu visto ao portfólio, que segundo ela estava muito bem feito. Eu também acredito que as cartas de jornalistas e editores recomendando o meu trabalho foram muito importantes para a conquista do visto. Sou muito grato a eles. Acho que tudo isso fez uma grande diferença para que meu visto fosse aprovado de primeira, já que alguns são negados e as pessoas tem que recorrer.
Traduzindo a transição
Traduzindo a transição image

Entre os podcasts produzidos e apresentados por Felippe Canale para a SBS em português está a série 'Traduzindo a transição', sobre transição de gênero na Austrália, publicada em português e inglês.

SBS Portuguese

23/03/202202:42
"Não consegui esse visto sozinho"

SBS Portuguese: A previsão do número de vistos 'Talento Distinto' e 'Talento Global' a serem concedidos diminuiu bastante do ano fiscal passado para esse ano fiscal, que termina em junho de 2023. De 15.200 somando os dois vistos para 5.300. Esse tipo de visto é cada vez mais raro e para o 'Talento Global' que tomou o lugar do 'Talento Distinto', a imigração ainda ressalta que há dez setores prioritários para a concessão do visto, sem incluir jornalismo, artes ou esportes, por exemplo.

Pode ser que fique cada vez mais difícil conquistar esse visto, principalmente para quem não atua em uma das áreas prioritárias, que são as áreas em que há carência de profissionais na Austrália. Pode ser que você seja um dos poucos jornalistas estrangeiros a conquistar um visto permanente na Austrália como um talento distinto. Isso te traz algum sentimento específico?

Felippe Canale: Eu fico muito feliz com a conquista desse visto. Agradeço a todos os meus entrevistados, às pessoas que resolveram abrir um pouco da vida delas e contar a história delas, porque é difícil você dar o seu rosto e dar o seu nome para histórias que são tão delicadas.
Agradeço às pessoas que se abriram e contaram suas histórias, porque é difícil mostrar o rosto, dar o nome quando se trata de temas tão delicados.
Felippe Canale, jornalista
Eu considero que não conseguiria esse visto sozinho. Além do meu marido, Marlon, que me ajudou a produzir a maioria desses conteúdos, todos os entrevistados me ajudaram a contar essas histórias. Me sinto muito privilegiado por eles terem confiado em mim para contar um pouco das experiências deles.

Espero que daqui pra frente eu consiga contar cada vez mais histórias que sejam inspiradoras para quem estiver lendo, ouvindo ou assistindo.

Para ouvir a entrevista completa, clique em 'play' nesta página, ou ouça no seu agregador de podcasts predileto.

Siga ano e ouça . Escute a  ao vivo às quartas-feiras e domingos.

Share