Adelaide e Belo Horizonte estão 14 mil quilômetros de mares e terras distantes uma da outra, mas ficaram mais próximos no última fim de semana com o show do mineiro Daniel Gosling, no Nexus Art, no Interplay 2023.
O Interplay promove artistas de culturas diversificadas e este ano pela primeira vez fez parte do Adelaide Fringe, um dos maiores festivais do país.
Daniel, que vive na Austrália há três anos, nasceu no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, um dos lugares onde o movimento do Clube da Esquina foi gestado.
O que foi Clube da Esquina?
Para quem ainda não teve contato, é importante contextualizar o Clube da Esquina como uma espécie de movimento musical não intencional formado em Minas Gerais em torno de Milton Nascimento.
Milton e seus amigos Márcio Borges e Fernando Brant passaram a fazer música nos anos 60.

A capa do álbum 'Clube da Esquina', de 1972, eleito por críticos em 2022 como o melhor disco brasileiro de todos os tempos.
Milton tinha a herança da música brasileira de festival, do samba, dos boleros e da Bossa Nova. Ainda adolescente, Lô Borges era um guitarrista fã de Beatles.
O disco lançado em 1972 sob o nome Clube da Esquina tinha a junção da MPB com o rock progressivo, jazz e bossa nova e se tornou um dos maiores clássicos da música brasileira, influenciando gerações de músicos brasileiros e estrangeiros.
Em 2022, o podcast Discoteca Básica fez uma eleição com centenas de críticos musicais brasileiros, que elegeu o cinquentão disco de Milton e Lô como o melhor já lançado no Brasil.
De Santa Tereza a Adelaide.
A música do movimento faz parte da vida de Daniel Gosling desde sempre. O interesse dele o fez se aproximar dos grandes nomes da música mineira.
O resultado foi surgindo aos poucos, no contato nos shows, em tocar junto na noite belorizontina, e agora, apesa da distância, vive o ápice.
Além do show no Nexus Art, Daniel Gosling também lançou sua música chamada ‘Santê’, junto de Toninho Horta, gravada em parte em Belo Horizonte, em parte em Adelaide.
‘Santê’ é um apelido carinhoso ao bairro em que nasceu e cresceu, marcante para o Clube da Esquina. E você pode .
O clipe de "Santê" tem a participação do baterista Esdra Ferrreira, o Neném, além do Toninho Horta, e tem produção de Enéas Xavier e mixagem de Cesar Santos, todos nomes relevantes na música mineira.
O mundo do Clube da Esquina.
Daniel Gosling fala sobre o tamanho do Clube da Esquina em sua vida.
"Por ter nascido e crescido no bairro, eu naturalmente tenho este envolvimento musical, e também a presença de todos eles ali, o Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Tavinho Moura e tantos outros músicos que fizeram o que a gente chama hoje de música mineira. Cresci li no meio dessa revolução musical."
"Comecei a tocar guitarra adolescente, muito blues e rock, principalmente rock inglês. Mas depois, amadurecendo, eu vi que minha identidade musical era totalmente do Clube da Esquina. E aí resolvi estudar. Estudei na Universidade Bituca de Música Popular, em Barbacena. Uma 'universidade' que o próprio Milton é patrono, e os músicos que dão aula lá são todas pessoas de super relevância na história da música brasileira."
"Passei por ali, acabei ficando amigo desta turma toda do Clube, convivendo em casa com as famílias, filhos, todo mundo. E fiquei tocando com eles no bairro, nos bares onde se toca Clube da Esquina. Foi uma baita escola musical."
Quando vim para a Austrália, justamente pelo distanciamento e a saudade, foi a primeira vez que eu resolvi organizar meu trabalho musical.Daniel Gosling.
A música não é a atividade principal da vida de Daniel Gosling, já que ele tem uma carreira consolidada como produtor de vídeos.
A amizade de Daniel com Toninho Horta é a história de um fã que passou, aos poucos, a tocar junto com o ídolo.

O compositor Toninho Horta. (Supplied)
"Mais tarde, eu tive a chance de tocar com ele algumas vezes numas gigs, no bar do Museu do Clube da Esquina, antigamente chamado de Godofredo - o Gabriel Guedes, filho do Beto, era o dono. E aí no bar a gente teve a chance de tocar as músicas juntos, ele viu que eu sabia as harmonias, e eu consegui entrar nas gigs com eles. Aí a partir disso a gente conseguiu desenvolver uma proximidade pelo amor pela música, de tanto que sou fã da história e da carreira toda dele. A gente acabou ficando próximos. Então quando mandei o convite pra ele, ele aceitou imediatamente, pela história que a gente tinha."
Lágrimas no show.
Segundo Daniel Gosling, a apresentação no Nexus Art teve um componente nostálgico importante para os brasileiros saudosos da terra natal.
"Incrível o impacto emocional que isso teve na audiência. Algumas pessoas que estavam ali choraram do início ao fim, especialmente nas músicas do Milton (Nascimento) - a maioria do repertório era de músicas do Milton e Lô Borges. A experiência de executar para pessoas que estão na Austrália há muitos anos foi incrível. Especialmente aqui em Adelaide, acho que eles nunca mais tinham tido contato com isso, desde que deixaram o Brasil. Essa questão da memória afetiva tem um peso na vida das pessoas."
Em Adelaide, vejo que a música brasileira que rola é da geração mais nova. Não atinge esse pessoal que tem uma história, um envolvimento maior com a MPB, principalmente dos anos 80 pra trás.Daniel Gosling
"Impressionante como o pessoal é sedento por isso. E o público australiano também, muito legal de ver o primeiro impacto. Uma música tão diferente do formato que se está acostumado e tal. Impacta eles também. Tive um feedback muito legal."
Dica para os músicos: explore sua brasilidade.
Aos que estão na Austrália e pensam em se aventurar na indústrial musical, Daniel sugere explorar a herança brasileira, muita respeitada internacionalmente.
"Os caminhos musicais e os objetivos de cada um podem ser diferentes, mas o principal é trazer o que a gente tem. Eu vejo muito músico aqui na Austrália preocupado em agradar ao australiano. Acho que isso, talvez, seja um erro. Mesmo que não seja um erro, acaba diminuindo, a pessoa deixa de apresentar essa riqueza que a gente tem como músico brasileiro, que é único no mundo. Nosso valor está nisso aí. Então dá o que você já tem, essa bagagem cultural maravilhosa do Brasil talvez seja o melhor que a gente tenha para apresentar por aqui."

Daniel Gosling e a banda que o acompanhou no Interplay 2023.
Como Daniel Gosling cresceu envolto do Clube da Esquina, precisou sair de Belo Horizonte para entender a dimensão do que ela representa. É a marca da cultura brasileira que ele leva em sua vida na Austrália.
"Como eu cresci ouvindo isso, foi uma de minhas primeiras referências, eu não tinha ideia da dimensão, nem musical nem do alcance que isso tinha no mundo. Do impacto em relação a originalidade e a riqueza. Acho que a riqueza de elementos tanto musicais quanto poéticas é uma coisa absurda. Essa naturalidade eu tive que morar fora de BH pra entender que aquilo é tão grandioso quanto hoje consigo ver. Pra mim, era só a música de onde nasci e que o mundo todo era daquela forma. E depois, conseguindo entender isso ao ouvir outras coisas, como Bossa Nova, comecei a ver que não existia uma música mais rica que aquela. Se a gente vê como a história foi feita, sem nenhum tipo de planejamento, simplesmente o acaso da reunião de vários gênios, gerou uma obra de riqueza inigualável. Não é à toa que foi considerado o disco mais importante da música brasileira."
O Clube da Esquina tem uma riqueza harmônica e uma diversidade de construção de som, da integração da poesia e melodias... tudo isso gera uma ambiência única.Daniel Gosling.
"É de uma profundidade que representa a história de um povo. Representa geograficamente a ambiência, toda a simplicidade e riqueza de alma da cultura mineira e da cultura brasileira."
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