No início desse mês, o renomado maestro italiano Riccardo Muti dirigiu a Orquestra Cherubini em um concerto emocionante no Teatro Naturale della Cava na ilha de Lampedusa, a ilha onde centenas de barcos de imigrantes chegam dos os dias.
Os 9 violinos, as 5 violas, os outros 4 violoncelos e contrabaixos do concerto são feitos com a madeira que já foi a de barcaças de migrantes – muitos deles náufragos na travessia do Mediterrâneo é por isso que a cor deles não é aquele tradicional castanho luzente.
Têm estrias azuis, brancas, verdes, vermelhas – da cor original dos barcos - essa cor foi mantida coberta por verniz.
A peça musical principal na extraordinária noite de concerto - com instrumentos do mar - e apresentado na borda do mar – é um Stabat Mater – o drama eterno da mãe que recusa a morte do filho.
O Stabat Mater de Giovanni Solima e a dar-lhe voz o poderoso coro da catedral duomo di Siena.
Os instrumentos de cordas, está dito, manejados pelos músicos da Orquestra del Mare e a dirigi-los, uma lenda na direção de orquestra, Ricardi Muti.
Já nos 80 anos – o maestro sempre com farta cabeleira mantem a vitalidade juvenil sempre marca da liderança dele e a condução da orquestra parece uma lição magistral de concórdia – harmonia.
Com o público emocionado – há quem se tenha reconhecido que em êxtase.
Há que voltar ao fundo desta história. Tem um nome para entrar neste 'era uma vez'.
Arnoldo Mondadori, editor, gestor e também poeta, neto do fundador do império editorial italiano – com publicações que vão da Divina Comédia a revistas como a playboy
Uma vez, vai para 10 anos, um dos picos de crise de migrantes, tinha havido uma sucessão de trágicos naufrágios, um deles com história que correu mundo. Uma barcaça com lotação para 120 pessoas transportava uns 500 migrantes. Em 3 de outubro de 2013 incendiou-se com Lampedusa à vista, muitas das pessoas a bordo lançaram-se ao mar – o Mediterrâneo estava de tempestade. Vieram a ser recuperados os corpos de 368 migrantes, muitos desmembrados.
É por isso que no Teatro Naturale de La Cava há agora escavados na pedra 368 pequenos nichos – iluminados por velas nas noites de concerto.
Um nicho por vida pedida naquela tragédia. Arnoldo Mondadori quis ir aquele lugar – com a mulher e os filhos. Passaram ali, atormentados, horas a meditar sobre aquele inferno.
Arnoldo Mondadori tinha ligações ao Vaticano, próximo do então bispo hoje cardeal Zuppi, em sintonia com o Papa, já o atual Francisco, tinha criado a Fondazione Casa dello Spirito e dell Arte. Uma das primeiras inciativas desta Casa do Espírito e da Arte foi a de criar uma ocupação para presos da cadeia central de Milão, com um famoso Luthier de Cremona instalou na cadeia um pavilhão laboratório de fabrico de instrumentos musicais – instalou um curso de formação no ofício para reclusos interessados.
Mondadori que também era próximo do então primeiro-ministro Mario Draghi conseguiu que alguma madeira dos destroços dos barcos dos migrantes deixasse de ser queimada e fosse levada para o laboratório de instrumentos musicais na cadeia de Milão.
Assim são feitos os instrumentos da orquestra do mar que agora se apresentou em Lampedusa.
O maestro Muti reconheceu este fim de semana que aqueles violinos não são stadivarius – mas o som é belissimo.
O programa em Lampedusa foi uma extensão do Festival Musical de Ravena – a cidade que era porto principal da roma antiga.
O festival tem uma secção La Via Dell’amicizia que assume ser ponte entre Ravenna e lugares de sofrimento e de solidariedade (já foi a Beirute, tem Sarajevo no horizonte).
Desta vez, naquele que mais estremece, Lampedusa. A batuta do maestro também feita com madeira da uma barcaça afundada.
Ricardo Mutti fechou o concerto a apelar a esforços solidários. Exemplificou. Foi conseguido, com a ajuda de reclusos, transformar aquelas madeiras de morte em madeiras que produzem beleza, harmonia, esperança.
"Estamos aqui com o lamento que vem do fundo do mar por tanta tragéia – mas é um lamento dulcíssimo, incita-nos a mudar as coisas, quis dizer com ênfase.
"Estarmos aqui tem um sentido político, elevado, o da fraternidade. Com a música como instrumento de solidariedade, estamos num lugar que tem a sabedoria da Roma antiga que cuidava de absorver o melhor das outras civilizações.
"Mas também precisamos de saber que em Seul acaba de ser criada a 20ª orquestra da cidade e pela China estão em construção centenas de teatros e salas de música," disse.
Fechou com um sorriso – "a vida não é só a guerra a vida precisa ser enriquecida com a cultura das diferentes formas de arte – o que requer dar-lhes palco."
Para ouvir o relato do jornalista Francisco Sena Santos, clique no 'play' desta página, ou ouça no perfil da SBS Portuguese na sua plataforma de podcasts preferida.
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