Exposição de artista brasileiro em Sydney mostra 'cura' pela arte através da espiritualidade

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Fabio Borges, cuja exposição chamada "Cura" ocorre na Darlinghurst Road Gallery, em Sydney. Credit: Amanda Salomao

Mostra na Darlinghurst Road Gallery mostra como Fabio Borges usou incursões por religiões para se libertar de fantasmas causados por compulsão, abandono e abuso.


A pandemia foi um divisor de águas na vida de muita gente, inclusive na do artista brasileiro Fabio Borges. Mineiro de Uberaba a viver na Austrália há sete anos, Fabio conseguiu transformar o momento reflexivo para viver um processo de "cura" intensa de problemas que ele antes não conseguia enxergar com a devida atenção.

O resultado desse processo de autoconhecimento pode ser visto na sua primeira exposição solo chamada Cura, na Darlinghurst Road Gallery, em Sydney, entre 23 de fevereiro até 01 de março. O evento faz parte do calendário oficial de celebrações do World Pride 2023 da galeria, que prioriza artistas emergentes.
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Fabio Borges nasceu em Uberaba, mas começou a carreira de artista na Austrália. Credit: Amanda Salomao
A exposição é uma série de 23 peças que documentam todo este processo a misturar técnicas de colagem analógica e digital, pincéis, ferramentas de riscar e folhas de ouro, e combinam imagens de animais, iconografia religiosa e personagens de desenho animado.

O próprio artista explica o processo de seu trabalho.

"Em paralelo junto com a pandemia, vieram um monte de desafios pra mim em relação a alguns traumas e comportamentos. Decidir investir e iniciei um processo de cura intensa através de várias práticas que começou com hipnose, constelação familiar, cerimônias com ayahuasca e cogumelos facilitado por xamãs, e dali fui conhecendo pessoas e práticas, e a última prática que eu fiz foi ‘breathwork’. Eu sou budista, faço meditação há 14, 15 anos, então respiração foi uma coisa que fez muita, muita diferença na minha vida. Trabalhar com respiração e intenção e contemplação"
Todo o meu processo artístico também caminhou em paralelo com um reconhecimento de quem eu era e do que precisava curar e honrar dentro do meu sistema familiar e da minha persona.
Fabio Borges.
Quando Fabio Borges fala em "cura", se refere a três coisas primordiais. Ele mesmo explica.

"Quando eu falo de 'cura', hoje consigo identificar pelo menos três coisas fundamentais que eu nem sabia que eu tira. A primeira é compulsão, e isso ficou muito evidente durante a pandemia. Eu achava que era uma pessoa hiperativa, mas na verdade estava extremamente compulsivo por sexo, pornografia, aplicativo, trabalho, atividade física, nadar, correr… eu não parava quieto. "
Eu achava que era uma pessoas produtiva, mas na verdade estava tentando cobrir algum buraco que eu não sabia o que era.
Fabio Borges.
"A segunda coisa era um sentimento muito grande de abandono. Toda vez que eu tinha uma negativa, ou pra fazer uma viagem de trabalho, para visitar parentes ou coisa parecida, até para sair com amigos, eu me sentia extremamente abandonado e eu não sabia de onde esse abandono vinha. Parecia que as coisas ficavam maiores do que eram e eu ficava aterrorizado. Não conseguia ficar sozinho em casa, era pavoroso."

"E uma outra coisa que eu sabia que tinha acontecido e que veio numa sessão muito longa de meditação foi um abuso sexual que eu sofri quando estava na faixa dos 5 anos de idade. Eu sabia que tinha uma portinha ali mas tava com medo de abrir. E aí nesse processo inteiro eu resolvi investigar, entender, revivar e curar esse abuso sexual que sofri. "
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"Seven Years", de Fabio Borges.
No meio do caminho eu fui entendendo que não estava curando só a mim, mas sim a todo o meu sistema. A compulsão vem de membros da minha família, o abuso era parte de várias histórias na minha própria família, de gerações. E quando eu comecei a compartilhar essas histórias com a minha família, essa cura foi ajudando eles dialogarem mais a respeito. Então essa cura roda em cima dessas três coisas, compulsão, abandono e abuso."

"Cura" é a primeira exposição solo do artista do Brasil, mas ele já fez parte de outras. Foi um dos organizadores e participantes de uma exposição coletiva de artistas brasileiros na Austrália chamada Família.

Em outubro de 2022, foi o vencedor da premiação Boyness Art Awards. Já neste ano foi um dos 100 finalistas do Artavita Art Contest na categoria Artista do Ano.

Adepto de uma prática budista chamada “Dharma Art”, onde cada elemento no trabalho tem uma intenção que parte de contemplação profunda. O lado religioso é marcante em sua produção, que tem vasta experimentação espiritual.

Eu venho de uma sociedade muito espiritualizada. A minha base é católica e eu sou de Uberaba, terra de Chico Xavier, então cresci com muita influência tanto do catolicismo quanto do espiritismo. No começo do meu trabalho com colagem eu senti que tinha que fazer alguma coisa com todos aqueles ícones religiosos que estavam tão presentes na minha vida, mas que não tinham tanto significado pra mim porque a maioria das religiões não me representavam porque sou um homem gay, um pecador, para essas religiões. Desde novo eu sempre estudei a cabala, fui pro budismo, estudei espiritismo, xamanismo, e todas essas fusões de linhagens e estudos diferentes foram me trazendo informações e eu pude escolher."
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"Abandonment", de Fabio Borges.
"Eu entendi que tem como eu transformar essa espiritualidade, que pra mim é importante enxergar o mundo de uma forma espiritual, numa forma onde eu me sinta representado. Nos primeiros trabalhos que eu fiz, na coleção sobre família que fiz numa exposição em Sydney, todas as peças tinham cunho religioso. Eram como se fossem releituras para representar pessoas que eu amava, como meus pais, irmãos e meu marido. Então eu fiz uma versão mais queer de Jesus que teve um pouco de polêmica, recebi reclamações".
Eu tentei mostrar para eles que se a imagem daqueles ícones é amor, eu quis mostrar minha forma de representá-los como amor de todo tipo, que não tivesse exclusão. E a maioria daquelas religiões excluem quem eu sou.
Fabio Borges.
"Hoje eu entendo que sigo um caminho mais universalista onde tenho tantas referências. Continuo com minha base cristã, mas tenho minhas práticas budistas, influências xamânicas e proteções da umbanda e do espiritismo e de outras vertentes que também abraçam minha espiritualidade de uma forma diferente. "

Ser artista na Austrália e no Brasil

A carreira artística de Fabio amadureceu na Austrália. Segundo ele, a vida que leva aqui lhe deu a paz que a carreira precisava para florescer.
Minha arte maturou na Austrália e só aconteceu porque havia qualidade de vida para que eu conseguisse espaço mental para me investigar e me aperfeiçoar
Fabio Borges.
"No Brasil, acho que eu estaria tão vinculado a questão de sobrevivência, trabalho e vários outras questões que existem lá, como política, que eu não me permitiria ter espaço mental. Aqui na Austrália eu consegui esse espaço mental para estudar mais e me reconectar com pessoas."

Ele também acredita que é mais fácil para um artista entrar no mercado na Austrália que no Brasil, e afirma que há um incentivo regional muito forte por aqui.
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"The Lion of the Dharma", de Fabio Borges.
"Se eu puder comparar as duas, eu diria que a arte no Brasil é mais difícil para um artista emergente, ‘entrante’. A forma que (o artista) vai conseguir entrar lá é através da faculdade, professores e algumas empresas que fazem algumas promoções. É difícil conseguir espaço e a arte lá é mais cara. Aqui na Austrália é um pouco mais acessível, um pouco mais barata, tem mais acesso a comprar arte de artistas e também existe um suporte regionalizado de councils, subprefeituras, galerias que suportam galerias locais."

"Lembro que me inscrevi uma época num prêmio de uma região onde eu não morava, e eles me responderam que a meta deles era promover os artistas locais. Não permitiram que eu participasse. E na época eu entendi, certíssimo. Existe aqui o senso de comunidade muito forte e isso também impacta a arte."

A exposição ocorre a partir desta quinta-feira, 23 de fevereiro, até primeiro de março na Darlinghurst Road Gallery, número 136a Darlinghurst Rd, em Darlinghurst, Sydney.

Informações adicionais:

Darlinghurst Road Gallery -

● Datas da exibição: 23 de fevereiro 15h - 01 março 18h

● Abertura oficial: 23 fevereiro às 18h

● Endereço: 136a Darlinghurst Rd, Darlinghurst 2010 NSW


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