O impacto do caso Rubiales é tal que as discussões em Espanha estão nestes dias mais focadas na atitude desrespeitosa e machista do presidente da Federação Espanhola da Futebol na final do Mundial feminino, há uma semana, em Sydney, do que com a complexa e incerta investidura do presidente do próximo governo de Espanha.
O afastamento do grosseiro patrão do futebol, que perdeu representatividade com o abusivo beijo à futebolista Jennifer Hermoso, é coisa para o tempo imediato. A formação do novo governo ainda tem mais de um mês de espera.
Estava anunciado na primeira página dos jornais desportivos espanhóis desta sexta-feira que Luís Rubiales iria atirar a toalha ao chão e deixar a presidência da federação que comanda o futebol espanhol. Afinal, entrincheirado com os parceiros na assembleia federativa do futebol, Rubiales abriu a boca para, por entre aplausos, com machista soberba beligerante, não só repetir que não se demite como contra-atacar e denunciar que está a ser vítima de um assassinato social promovido pelo “falso feminismo”.
Há uma constatação generalizada nos media espanhóis: o ainda presidente do futebol espanhol continua a mostrar que não tem consciência da responsabilidade social exigida pelo cargo que ocupa.
Luís Rubiales, 46 anos, não se limitou a roubar um beijo na boca de Jennifer Hermoso, a futebolista com 33 anos que, feliz, ainda no relvado de Sydney festejava o título de campeã do mundo que acabava de conquistar com a seleção espanhola, diante da inglesa. Antes de se ter aproveitado da euforia das novas campeãs, esta criatura do machismo sem complexos, ainda na tribuna presidencial do estádio da final em Sydney, ao lado da rainha Letizia, da princesa Sofia, e do presidente da FIFA, Gianni Infantino, depois de levantar os braços em gesto eufórico, baixou as duas mãos para, sobre o tecido das calças agarrar os genitais. As imagens mostram que o patrão do sistema do futebol espanhol soltou então algumas palavras que, pela leitura labial, se percebe incluírem o órgão que estava a agarrar. Ele estava junto à rainha de Espanha, mas voltou-se para o outro lado onde só vemos homens. Não se vê que alguém acompanhe, replique ou aprove o gesto.
Também está relatado que Rubiales, no voo de regresso de Sydney a Madrid, tentou coagir as novas campeãs do mundo para que o livrassem de culpas pelo beijo roubado e pelos apertões.
Passou uma semana de frenética discussão, com muita indignação, sobre esta grosseria do chefe do sistema federativo do futebol espanhol. Rubiales chegou a pedir desculpa, mas logo passou ao ataque de quem o critica.
Agora, Rubiales está a montar uma tentativa de defesa com o argumento de que o beijo na boca foi “consentido”. Esquece que o consentimento não é decidido pelo agressor, mas inclui a mulher vítima, que desmente esse consentimento.
Todas as companheiras no grupo de 23 futebolistas espanholas campeãs do mundo de futebol feminino estão a declarar total apoio a Jennifer Hermoso, a futebolista a quem foi roubado o beijo, e mais: elas e várias dezenas de futebolistas já anunciaram que renunciam à seleção de Espanha enquanto Rubiales se mantiver no cargo.
A biografia deste Rubiales mostra-o com passado de futebolista modesto (53 presenças em jogos de La Liga entre 2004 e 2008) num clube de sobe e desce, o Levante, instalado há 113 anos em Valência. Há dados paradoxais face aos comportamentos de agora: Rubiales, filho de um autarca socialista de Motril que tinha sido organizador de greves pelos direitos civis no tempo franquista, Luís Rubiales foi incitado pelos pais a estudar Direito. Formou-se e tornou-se ativista no sindicato dos futebolistas onde liderou um movimento pelos direitos dos futebolistas e de protesto contra os clubes com salários em atraso. Foi eleito presidente do sindicato dos futebolistas e chegou a vice-presidente da FIFPRO, o sindicato mundial. Rubiales foi projetado para a presidência da federação espanhola de futebol (RFEF), em 2017, na sequência da condenação e prisão do até então presidente, Angel Villar, por corrupção e apropriações indevidas.
Nestes sete anos como presidente da RFEF, Luís Rubiales apareceu várias vezes envolvido em suspeitas de histórias proibidas.
Agora, após a grosseria em volta das campeãs do mundo, quase todo o arco social, político e futebolístico de Espanha está a declará-lo totalmente incapaz para o cargo que tem exercido.
O delírio de omnipotência e o machismo cavernícola de Rubiales andou à solta durante estes dias.
Agora, ouve-se em Espanha um clamor que está a converter este Me Too espanhol no poderoso hashtag Se Acabó.
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