Os brasileiros Fabio Aldana e Wanessa de Mello decidiram comprar a casa própria na Austrália quando a residência permanente do casal saiu, no final de 2019.
O problema: eles viviam em Sydney, uma das cidades mais caras do mundo.
Sydney é a 10ª cidade mais cara do planeta para se viver em 2022. No mesmo ranking, Melbourne é a 15ª.The Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa e análise da revista britânica The Economist.
Vivendo na Austrália desde 2017, Fabio é engenheiro de suporte técnico em TI, profissão de alta demanda no país. Wanessa é dona de casa, e eles têm uma filha pequena.
A família morava numa casa alugada em North Kellyville, noroeste de Sydney. Sobrado, quatro quartos, região tranquila, cuidavam da propriedade como se fosse deles. Comprar uma casa como aquela onde viviam era um sonho que ficava cada vez mais distante.
"Os preços estavam lá em cima com questão do COVID-19, muita gente decidiu procurar casas, ter mais conforto pra ter `home office`. A gente pensou que gostaria muito de ficar naquela região, se tivesse condições, com certeza ficaria, mas com aquele peso a gente decidiu procurar outras alternativas."
Em 2021, Fabio passou a trabalhar para um empresa sediada em Brisbane. Pagar uma casa na capital de Queensland era um sonho possível de se realizar.
"Eu poderia trabalhar de Sydney ou qualquer região da Austrália, é um trabalho remoto, mas decidi ficar mais próximo da equipe, da empresa. No início de 2022, fizemos algumas viagens para Queensland, a gente rodou desde Gold Coast até Sunshine, conhecendo todos os bairros, vendo o que eles tinham de prós e contras, inclusive a questão de escolas e facilidades.
"Quando a gente decidiu a região, começou a ‘aplicar’ para as casas. Em março de 2022, nossa oferta foi aceita e nossa mudança foi em maio. Posso dizer que é diferente mas é muito bom também."
Temos saudade de Sydney, mas essa região de Gold Coast, Brisbane, tem muito a oferecer. Posso dizer que não temos nenhum arrependimento e estamos adorando viver aqui nessa região.Fabio Aldana, engenheiro de TI.
O confinamento da COVID-19 mudou tudo.
A pandemia permitiu que muita gente trabalhasse remotamente para sempre, o que está diretamente relacionado ao fato de a população de Queensland estar aumentando nos últimos anos.
Segundo dados oficiais do estado, entre março de 2021 e março de 2022, a população de Queensland aumentou 1.4%, contra 0.9% da média nacional do país.
De acordo com informações do Escritório de Estatísticas da Austrália, a população de Victoria, por exemplo, teve um ligeiro decréscimo de 0.1% em 2021.
O arquiteto Anselmo Matsui é um caso parecido com o de Fabio e Wanessa.
Ele e a parceira, a designer de interiores Fabiana Perez, juntavam dinheiro há anos para comprar um imóvel em Sydney. Mas quanto mais dinheiro era guardado, mais os preços subiam. E mais eles tinham que guardar dinheiro. E mais os preços subiam.

Anselmo, Fabiana e os três fihos. A bebê foi um projeto de vida possível apenas porque a família se mudou de Sydney para Queensland.
"Começamos a olhar para onde poderíamos mudar para comprar um apartamento de três quartos. Um dia minha esposa falou, você quer ver o preço das casas no site caírem? Ela colocou ‘Gold Coast’ na busca e os preços caíram. Meu filho falou, por que a gente não mora lá? A resposta foi a de sempre: não tem emprego."
Antes da mudança, a lição de casa.
Por fim, o escritório onde Anselmo trabalha aderiu ao trabalho remoto para o funcionário que assim quisesse. Ele a Fabiana passaram, então, a estudar a região de Gold Coast para tomar a melhor decisão.
"A gente fez toda a lição de casa antes de vir pra cá, pesquisou. Como estudei arquitetura e urbanismo, vi todos os planos-piloto de Gold Coast e Brisbane, toda Southeast Queensland, até 2050."
A ideia foi ver onde os bairros que eram bons, olhei mapa de inundações, de queimadas, projetos de expansão de rodovia, as estações de trem, zoneamentos, terrenos. Pesquisei as escolas públicas e particulares.Anselmo Matsui, arquiteto.
"A gente foi cortando bairros, a gente quer estar a tal distância da praia, mas tem que estar a tal distância de Brisbane para estar mais próximo de emprego, se tudo falhar."
Anselmo lembra que já se mudou com a situação engatilhada para uma compra.
"A gente veio para cá com os pré-approvals do banco. Chegamos em 18 de dezembro de 2020, e em 16 de janeiro a gente comprou a casa."
"A gente tinha a clara consciência que o preço da casa estava subindo, e iria continuar subindo. O preço agora estabilizou, mas desde que a gente se mudou, os preços dos imóveis subiram aproximadamente 60%."
A gente sabia que se não comprasse logo, ficaria fadado a pagar o mesmo mortgate que a gente pagaria em Sydney. A diferença é que aqui a gente mora numa casa, em Sydney seria um apartamento.Anselmo Matsui, arquiteto.
Mesmo valor que em Sydney, porém, com mais espaço.
O fato de poder pagar menos para viver numa residência maior foi fundamental para a decisão de Anselmo e Fabiana de trocar Sydney por Pacific Pines, em Gold Coast.
"Acho que toda família com filho gostaria de ter um espaço pra criança poder brincar. O COVID mostrou que uma pandemia pode te deixar em lockdown por meses", lembra Anselmo.
"A gente morava em Sydney num apartamento de dois quartos sem lavanderia em quatro pessoas. Aula de caratê pela televisão, minha filha fazendo dança no quarto, eu trabalhando na mesa de jantar, esposa trabalhando no quarto. Se eu tenho flexibilidade no trabalho, se a minha esposa tem flexibilidade, por que a gente está morando em Sydney?"
De Melbourne para Brisbane.
O casal Débora e Paulo Gonçalves vive na Austrália há nove anos, oito deles em Melbourne, onde o dinheiro que guardavam para o sonho da casa própria crescia menos que o valor dos imóveis.
Paulo trabalha com TI para uma empresa da cidade, mas com a opção de trabalhar remotamente. Débora era dona de casa na época. Foi então que eles decidiram passar um tempo em Brisbane, para conhecer. Só que a situação mudou rapidamente.

Débora Gonçalves e o marido Paulo, com os filhos. De Melbourne para Brisbane.
A história chega até a ser engraçada: a gente nunca fez inspeção pra comprar, era uma realidade muito longe da gente em Melbourne. A gente pegou um dia, fizemos cinco inspeções e colocamos a oferta no mesmo dia. Tinha três semanas que a gente tinha chegado. A gente precisava de um lugar pra morar, a escola da minha filha estava pra começar."
O preço que eles pagaram por uma casa em Brisbane, nem em sonho conseguiriam em Melbourne.
"A gente comprou uma casa de quatro quartos, normal, nem é muito grande. O bairro é maravilhoso, tem tudo, em North Lakes, o melhor dos bairros que já morei, e já morei em sete lugares em Melbourne. Não deu nem tempo de conhecer, a gente veio na sorte.", diz Débora.
A casa foi 630 mil dólares em Brisbane. Jamais compraríamos uma casa num bairro bom desse em Melbourne. Jamais.Débora Gonçalves, administradora.
Pensando na aposentadoria
Entre idas e vindas, Débora Pontes Ramos tem 17 anos de Austrália. Ela e o marido Filipe moravam nas Northern Beaches, em Sydney.
"A ideia de comprar a casa própria começou com meu primeiro filho e também porque, com a idade (eu e meu marido próximos dos 40 anos), a gente fica receoso em relação a aposentadoria na Austrália. Como começamos a ganhar o Superannuation com uma idade mais avançada, a gente não pode depender do nosso superannuation para aposentadoria. Como pagar aluguel depois de aposentado? Então o nosso objetivo inicial na hora de comprar a casa foi esse, de quando nos aposentarmos, a gente já ter pagado o 'mortgage', não termos dívidas de financiamento e não termos que pagar aluguel", conta.

Filipe e Débora junto do filho: de Sydney para Sunshine Coast.
Eu sempre morei em Sydney, em Northern Beaches e queria ficar, não vou mentir. Porém, os preços estão exorbitantes em Sydney, especialmente nas Northern Beaches"Débora Pontes Ramos.
A gente chegou a ver apartamentos na planta, de dois quartos, pensamos talvez em mudar pra um bairro mais afastado, mas os preços eram de 700 mil para apartamentos na planta em Dee Why com dois quartos com vista para outros prédios. Então começamos a pesquisar. Em Sydney muito caro, a gente não queria fazer um financiamento de um milhão de dólares para cima (mesmo porque a gente nem tinha como bancar isso)".
O objetivo de Débora e Filipe era ajustar o bolso ao estilo de vida. Praia era importante. A solução acabou sendo Sunshine Coast. Quando surgiu a oportunidade, Filipe pediu demissão em Sydney. Débora tem trabalho remoto. E agora o casal tem uma casa perto da praia em Queensland.
"Nos mudamos em janeiro deste ano e estamos super felizes", diz Débora.
É um financiamento que vamos conseguir pagar até nos aposentar. Não pagamos mais aluguel ou o 'mortgage' de outra pessoa. Estamos bem felizes com a decisão e com a vida em Sunshine Coast."Débora Pontes Ramos.
Prós e contras.
Trocar uma cidade pela outra não é fácil, mas a maioria dos entrevistados nesta reportagem não tem arrependimentos.
Morando em Brisbane, Fabio Aldana diz sentir falta das praias de Sydney, mas que compensa por outros meios.
"A gente escolheu essa região porque fica mais próxima de Gold Coast, que a gente teria um fácil acesso para as praias ou até mesmo perto da divisa com NSW. E também por conta dos parques temáticos de Gold Coast, a gente gosta muito. Além disso, a gente mora numa região que é rodeada de fazendas, uma comunidade nova, a gente consegue desfrutar da paisagem, de estar em contato com a natureza. Próximo de onde a gente mora, tem as cachoeiras de Tamborine, os Jardins Botânicos, há trilhas por perto. Há várias atrações. "
Débora Gonçalves diz ainda estar criando sua rede de apoio brasileira, mas que, entre outros fatores, o clima de Brisbane compensa.
"Eu sinto falta dos amigos mesmo. Eu sinto que lá a comunidade brasileira é mais unida, tem a Abrisa (Associação Brasileira para o Desenvolvimento Social e Integração na Australia), tem vários eventos. Aqui a gente ainda está construindo isso. Até as pessoas que moram aqui há mais tempo não têm essa rede de apoio. Não tem brasileiros mais chegados, que frequentam a casa. Em compensação, aqui tem o clima. Para atividades com criança, tem mais opção. Por causa do frio (em Melbourne), a gente fica limitado por muitos meses no ano. É muito frio e as coisas têm que ser mais indoor. Não usei casaco nenhum dia no inverno."
A outra Débora entrevistada nesta reportagem, a Pontes Ramos, lembra que a infra-estrutura de Sydney faz falta para quem vive em Sunshine Coast.
"O que eu gosto mais daqui é a tranquilidade, é super ‘laid back’. É fácil mesmo tendo que dirigir, é um estilo de vida que bate muito com o estilo de vida da minha família, acordar cedo, curtir a natureza, curtir a praia. E não tem trânsito, dificilmente vê pessoas andando na rua, sinto falta", conta.
"E sinto falta das opções de Sydney de restaurantes, um Uber Eats. Como aqui tudo fica muito longe, você pede uma pizza, ela chega fria e com o queijo duro. Eu sinto falta de comer mais fora, não tem as opções que Sydney tem. Sinto falta disso e dos meus amigos, mas estou muito feliz com a decisão. Hoje se me perguntarem se eu voltaria a morar em Sydney, eu teria que pensar”.
Anselmo Matsui e Fabiana Perez já tinham dois filhos e sentem falta dos amigos que fizeram em tantos anos de Sydney, mas a mudança para Gold Coast permitiu aumentar a família.
"A gente só teve a terceira filha porque a gente se mudou para Queensland. A gente não conseguia ter, era um grande ponto no meu ‘wishlist’, e morando em Sydney não tinha espaço, sabia que não iria conseguir comprar um apartamento de três quartos que fosse, a gente estaria preso num 'mortgage' tão alto que não teria como sustentar um terceiro filho".
É uma outra vida. Depois de se mudar pra Austrália, a gente se deu a chance de recriar uma nova vida.Anselmo Matsui, arquiteto
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