Abuso emocional começa de maneira sutil ‘em nome do amor’, diz psicóloga Sayonara Machado

Sayonara Machado

"A vítima de abuso crê amar te tal maneira o abusador que não consegue ver defeitos nele," diz a autora e psicóloga Sayonara Machado Source: sayonarapsicologa.com

Autora do livro ‘E a família como vai?’, Sayonara Machado, de Sydney, fala como imigrantes, isolados fisicamente dos amigos antigos e famliares, são presa fácil para o abusador.


Uma pesquisa da Universidade Monash em Melbourne revelou o aumento de incidentes de violência doméstica na comunidade imigrante durante o lockdown do coronavírus.

Três quartos dos imigrantes temporários que buscaram apoio durante o lockdown disseram que temiam por suas vidas e que tinham medo de serem deportados.

O estudo da Universidade Monash mostrou que imigrantes estão menos propensos a relatar violência ou deixar o parceiro porque temem ser expulsos da Austrália pois têm o visto de partner ou sponsored.

Mas porque os imigrantes são mais vulneráveis ao abuso e violência em casa? Quais são os primeiros sinais de  um relacionamento abusivo e como sair dele? Para responder a essas e outras perguntas conversamos com a psicóloga Sayonara Machado. 

A seguir os principais trechos da entrevista.


Quais são os primeiros sinais que revelam se uma mulher está em um relacionamento abusivo?
São inúmeros mas eu destacaria os abusos mais sutis que podem começar com sugestões indiretas, como afastamento dos amigos e familiares. Tudo isso começa de forma sutíl de modo geral em nome do “amor”.

Quais os tipos de abuso?
Os abusos podem ser digital (através das mídias sociais), emocional, financeiro e físico.

Porque as vítimas se calam?
Há claramente uma falta de visão da situação real. A falta de informação sobre o assunto e os padrões comportamentais são internalizados como sendo corretos.

A vítima de abuso crê amar te tal maneira o abusador que não consegue ver defeitos nele. Na maioria das vezes a vítima se sente amada (o) pelo abusador e pode entender alguns gestos como um “cuidado” ou “carinho”.

Quanto mais a vítima do abuso ‘simpatiza e entende’ o abusador mais isolada ela fica dos amigos e familiares?

Quanto mais isolada mais adequada ela vira presa do abusador. No caso das mulheres imigrantes isso ainda é mais evidente, pois essas pessoas já estão fisicamente isoladas de seus amigos antigos e familiares. O que torna ainda mais difícil para ela sair do relacionamento.

Os abusos são muito camuflados, vêm com uma roupa de serem em detrimento do amor, ‘eu faço isso é por amor’. Não começa direto com abuso físico, pode começar nas mídias sociais, o parceiro começa a policiar, pegar senha do celular, ficar com ciúmes da postagem de fotos da namorada no instagram no digital, diz coisas como ‘você não me dá senha porque não confia em mim’. Daqui a pouco ela sumiu do facebook, do instagram e a amiga que antes dava um 'oi' não dá mais.

A vítima então desenvolve uma resiliência acha que tudo isso não é abuso? Ou que abuso é só físico?
A vítima se alimenta dos pequeníssimos momentos bons e o tempo vai concretizando essa crença que faz com que ela acredite que o abusador não é ruim. É muito importante ressaltar que o abusador segue um padrão de comportamento 'aprendido' (meu comportamento vem minha criação) ou 'estabelecido' (meu comportamento é uma forma de proteção).

Muito do comportamento violento ou abusivo da pessoa é definido desde a sua infância e relações familiares?

Segundo Donald Winnicott, pioneiro da psicanálise infantil e relações familiares, para prosperar na vida todos nós precisamos de um ambiente que nos proporcione segurança, conexão (amor, interese, zelo), autonomia, liberdade de expressão e limites.

A falta desses pontos leva ao desenvolvimento de ‘esquemas mentais’. Todos os esquemas mentais segundo a ciência são negativos e vão gerar um padrão de comportamento. Um padrão de comportamento segue a vida toda, podendo ser interrompido a duras penas com ajuda psicológica. Esse padrão gera o ciclo da autosabotagem, onde você fica com medo de sair da relação (por uma série de razões, porque agora você é uma pessoa casada etc.)
O que você aborda no livro ‘E a família como vai?’, traduzido também para o árabe e o inglês?
O livro aborda a história da família, como a família se estabeleceu. Todos os nossos problemas têm uma raiz, onde você nasceu, construiu sua família. O livro mostra que a sua história não começou com seu pai ou com sua mãe, mas com seus bisavós porque eles criaram os seus avós que criaram os seus pais e nós carregamos esse comportamento historicamente nas nossas vidas.

Qual sua mensagem para as vítimas de abuso (homens e mulheres) e principamente imigrantes?
Construa suas redes de amizade, busque amigos, vocês precisam de pessoas que possam te ajudar. Há esperança para você sair de um relacionamento abusivo.
SBS Portuguese coronavirus
Source: SBS
Siga-nos no  e 

Share