Brasilidade sem fronteiras: Capoeira com sotaque argentino

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O ítalo-argentino Damiano Spina é professor universitário em Melbourne, onde também dá aulas de capoeira e toca samba. Source: Supplied

No primeiro episódio da série "Brasilidade sem fronteiras", da SBS em Português, conversamos com o professor universitário Damiano Spina, ítalo-argentino que passou boa parte da vida na Espanha e mora em Melbourne, onde dá aulas de capoeira e tem um grupo de samba. A série traz entrevistas com estrangeiros que amam, consomem e divulgam a cultura brasileira na Austrália.


A cultura é um dos traços mais profundos da identidade de um povo, formada por histórias, tradições e modos de viver. Mas ela também pode atravessar fronteiras, sendo vivenciada, explorada e compartilhada por quem não nasceu ou cresceu imerso nela.

Brasilidade sem Fronteiras é uma série da SBS em português em que conversamos com apaixonados pela cultura brasileira que vivem na Austrália, e que, por incrível que pareça, nunca moraram no Brasil.

A música 'Incontrolável Vontade', que pode ser ouvida no áudio dessa entrevista, é uma das composições originais do grupo de samba Wombatuque, fundado em Melbourne, Austrália, em 2015, pelo ítalo-argentino Damiano Spina e pelo italiano Stefano Mangiola.
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Damiano Spina, à esquerda, e o italiano Stefano Mangiola, fundadores do grupo de samba Wombatuque, de Melbourne. Source: Supplied
Damiano, nascido na Argentina, filho de pais italianos, passou boa parte da vida na Espanha e mora em Melbourne, na Austrália, desde 2015.

Ele apresentou 'Incontrolável Vontade' em Madri, em julho de 2022, quando participava de uma conferência internacional na área de pesquisa dele, ciência de dados.

Damiano, além de cantor, multi-instrumentista e contramestre de capoeira, é professor universitário em Melbourne em uma área que não tem nenhuma relação com suas outras atividades. Ou será que tem?

"Eu pensei que não tinha relação, mas refletindo, tem muita. Eu usei muito do que aprendi na capoeira na minha carreira acadêmica porque comecei a dar aula de capoeira antes de dar aula na universidade".
Nas minhas aulas de ciência de dados eu uso o conceito de circularidade e a improvisação que aprendi na capoeira.
Damiano Spina, capoeirista ítalo-argentino
"No último dia de aula na universidade eu levo o berimbau e canto com os alunos 'Adeus, adeus, boa viagem', uma música de capoeira".

Damiano conheceu a capoeira ainda criança, na Argentina, e conta o que chamou sua atenção no que acabou sendo o elo dele com o samba e o que o fez mergulhar de cabeça na cultura brasileira.

"O primeiro contato que eu tive com a capoeira era um treino, não tinha música. O que me chamou a atenção foi a parte lúdica, de movimentar o corpo, brincar com o outro, fazer os movimentos dos animais. Depois que eu descobri que tinha música também, me apaixonei por completo. Nunca vou esquecer a primeira vez que vi um berimbau. A paixão pela percussão e os instrumentos que hoje eu toco, veio da capoeira".
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Damiano diz que o samba chegou na vida dele com a capoeira, assim como a paixão pela percussão. Source: Supplied
"O samba chegou na minha vida com a capoeira. Sempre depois da capoeira tem um samba de roda. Lembro de uma viagem que fiz com meu mestre [de capoeira] pelo sul da Espanha, que a gente apresentava capoeira e samba. Eu tocava surdo de primeira. Foi quando comecei a aprender o samba".
A gente viajava ouvindo Zeca Pagodinho e eu pensava: caramba, isso aqui é o que eu gosto mesmo.
Damiano Spina, capoeirista ítalo-argentino
Damiano já nasceu em contato com mais de uma cultura e mais de um idioma. Em casa falava italiano, fora de casa, espanhol. Foi a capoeira que o estimulou a aprender português.

"Meu mestre [Pantera] é do Rio de Janeiro. No começo ele nos dava aulas se esforçando para traduzir do português para o espanhol. Mas depois de uma ida ao Brasil com alguns alunos, ele voltou e avisou que ia passar a dar aulas em português. A gente ficou feliz porque teve que se virar para aprender a língua".
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Damiano com Mestre Pantera, que dava aulas de capoeira na Espanha em português, e estimulou os alunos a aprenderem a língua. Source: Supplied
A capoeira é uma das principais embaixadoras da língua portuguesa no mundo.
Damiano Spina, capoeirista ítalo-argentino
Além de ser apaixonado pela capoeira e pelo samba, Damiano é um grande divulgador da cultura brasileira, seja nas aulas de capoeira que ele dá ou nos shows que faz com seu grupo de samba Wombatuque. Ele explica que o ato de difundir a nossa cultura por onde passa, aconteceu de forma natural.

"Tanto o samba como a capoeira tem o conceito da circularidade. Foi um processo orgânico. A gente faz parte de um processo de manter uma tradição. Toda prática folclórica ou cultural a gente aprende com os mais velhos e tem a responsabilidade de divulgar para quem vem depois".

"Em 2015, quando cheguei em Melbourne, senti a necessidade de seguir com o legado do Mestre Pantera e dar aulas de capoeira. Com o samba foi a mesma coisa. Conheci o Stefano Mangiola, italiano, também apaixonado pela cultura brasileira, e criamos o grupo Wombatuque, hoje com Marcelo Garcia e Alcides Neto".
Eu acho que a cultura não tem uma bandeira. Tem uma raiz. Mas todo mundo pode participar.
Damiano Spina, capoeirista ítalo-argentino
Damiano conta que ficou surpreso quando foi ao Brasil e viu que nem todo mundo se interessava ou tinha a percepção, assim como ele, da importância da capoeira e do samba na nossa cultura e identidade.

"Tive uma grande surpresa na primeira vez que fui ao Brasil, pensando que todos lá valorizavam a cultura afro-brasileira, como a capoeira e o samba, cheguei em lugares como Salvador e Rio de Janeiro, e encontrei pessoas que não tinham essa visão".
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Damiano com grupo de capoeiristas no Rio de Janeiro em 2012. Source: Supplied
Todo mundo merece entender o valor da capoeira e da cultura brasileira em geral, a riqueza que tem.
Damiano Spina, capoeirista ítalo-argentino
Damiano, que expressa vontade de um dia morar no Brasil, onde até hoje só esteve por no máximo um mês, diz que não pertence a apenas um país ou a uma única cultura.

"Tem uma ladainha que eu escrevi que diz: 'Viajando pelo mundo, eu não dou minha volta em vão. Meu berimbau companheiro nunca me deixa na mão'. Onde eu for, sempre vou achar aquele refúgio que me ajuda a conectar comigo mesmo e com as minhas raízes, assim como a compreender as raízes dos outros também".

Para ouvir a entrevista completa, clique no 'play' desta página, ou ouça no perfil da SBS Portuguese no seu agregador de podcasts preferido.

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