Camila chegou à Austrália em abril do ano passado e, em junho, aceitou um emprego de au pair para uma família australiana. Ela deveria cuidar de duas crianças, mas acabou fazendo também o trabalho de casa fora do horário combinado com a família.
“Quando você é au pair, você é responsável só pelas crianças, mas eu tive que limpar a casa e ficar com as crianças junto. Eu queria estudar e as crianças ficavam entrando no meu quarto, que não tinha tranca. Eu não conseguia estudar.”
Com inglês básico, a estudante pensou ter encontrado uma boa oportunidade de emprego quando chegou, mas ela diz que o trabalho se transformou em escravidão.
“Eles pagavam muito abaixo do valor por hora aqui na Austrália – o mínimo para a categoria seriam AU$ 23, mas eles pagavam AU$8. Como eu tinha alimentação e moradia, eles justificavam isso. Mas, depois de um tempo, se tornou trabalho escravo.”
O caso de Camila não é isolado. Mais da metade dos estudantes brasileiros (52%) ganha menos do que o mínimo oficial de AU18.29 por hora, de acordo com a pesquisa nacional "Roubo de Salários na Austrália" (Wage Theft in Australia), que foi o maior estudo já feito no país sobre as condições de trabalho de estudantes e mochileiros estrangeiros, com visto temporário.
Vítor também já recebeu menos do que o salário oficial.
“Eles pagavam abaixo do salário na época: AU$14 pros assistentes de cozinha e AU$15 pras garçonetes.”
Todos os estudantes brasileiros já receberam "cash-in-hand", que acontece quando as empresas pagam os trabalhadores em dinheiro. De acordo com a pesquisa, o pagamento em dinheiro pode indicar evasão de impostos quando não é declarado ao Australian Taxation Office, a Receita Federal australiana.
“A gente trabalhava mais de 30 horas, mas eles declaravam 20 (horas) no tax e pagavam o resto em dinheiro. Quando eles enviavam pra tax, parecia que estava tudo certo. Tinha gente que recebia só em dinheiro”, diz Vítor.
“Eles pagavam cash-in-hand. Eu nunca recebi horas-extras ou coisas do tipo. Foi um contrato ‘de boca’, tipo ‘vem trabalhar pra mim?’ e eu disse `ok`”, contou Camila.
“Ela (minha chefe) também pagava AU$15 por hora no cash-in-hand, mas eram nove horas de trabalho sentada na mesma posição colocando preço nas coisas”, disse Joana.
Casos de fraude com o Australian Business Number (ABN) também são comuns, segundo Ana, especialmente no setor de limpeza.
“Daí o que eles fazem: a gente não declara a quantidade de horas trabalhadas, declara só o valor. Como tu precisa fazer dinheiro rápido, acaba aceitando porque, se eu não aceito, tem alguém que aceita. Então, não posso declarar o número de horas, só o valor, e fica parecendo que ganho AU$ 36 por hora.” Na verdade, Ana trabalha cerca de 45 horas por semana.
Para os estudantes, é frequente trabalhar acima do limite de 20 horas permitido pela lei australiana, mas eles dizem que não tem opção.
Do arquivo da SBS Português:
Austrália: Exploração de estudantes vietnamitas a um passo da escravidão moderna