Claudio Nucci: 'A música é um universo fantástico que une várias culturas numa obra só'

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O cantor e compositor Claudio Nucci, um dos fundadores do grupo 'Boca Livre', completou recentemente 40 anos de carreira com uma vasta obra que contempla diversos estilos musicais, fruto de muitas parcerias. Nucci participa de um curso online de Bossa Nova para estrangeiros que tem uma cantora australiana como co-idealizadora.


Com mais de 40 anos de carreira, várias composições de sucesso gravadas por grandes nomes da MPB e uma voz belíssima, Claudio Nucci, um dos fundadores do premiado grupo Boca Livre, participa de um curso online que apresenta novas composições de Bossa Nova para estrangeiros, e tem como uma das idealizadoras a , sobre a paixão e a relação muito próxima que ela tem com a música brasileira.

No curso, Nucci ensina aos alunos de uma masterclass a canção "Um nome num barco", parceria dele com Márcio Resende e Paulo César Pinheiro. No áudio desse podcast, ele nos presenteia com um trecho da música cantada, ainda inédita, já que as versões disponíveis são apenas instrumentais.

Nessa entrevista à SBS em português, Claudio Nucci fala sobre Bossa Nova, versatilidade na interpretação e composição de músicas, processo criativo, as várias parcerias musicais e nos conta episódios curiosos e marcantes da sua carreira.

'Um nome num barco' e a Bossa Nova
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Claudio Nucci teve seu primeiro contato com a Bossa Nova nas primeiras aulas de violão. Ele diz que a Bossa Nova nunca o largou, já que até hoje compõe músicas nesse estilo. Source: Supplied
SBS Portuguese: Na masterclass que integra o curso de Bossa Nova para estrangeiros, você ensina a canção 'Um Nome num Barco', parceria sua com Márcio Resende e Paulo César Pinheiro. Essa música é inspirada na Bossa Nova? Como ela foi composta?

Claudio Nucci: A Bossa Nova tem também um pé no jazz, na canção internacional. Essa música surgiu com o Márcio Resende, que se formou como compositor de jazz, saxofonista, flautista e lá pelos anos 1970 nós fomos companheiros de grupo. Começamos juntos na música, em um grupo chamado Semente, que não chegou a ser um grupo profissional, mas foi a nossa escola de música.

Ele teve uma ideia inversa de composição. Ele estava na New England School, nos EUA, trabalhando, e chegou ao Brasil cheio de novidades. Ele me disse que estava ouvindo a música 'How high the moon', uma canção gravada por grandes nomes como Sinatra e Ella Fitzgerald, e pegou uma célula da harmonia da música. Não foi nem da melodia.

Ele disse: "Que tal a gente iniciar uma música por aqui ?" Aí ele deu uma primeira versão de harmonia pra ela. Eu então peguei uma melodia inspirada numa melódica de um grande precursor da música brasileira, inclusive um cara que influenciou muito a Bossa Nova pelo grande melodista que foi, que é Dorival Caymmi. Eu peguei essa célula de Caymmi e levei naquela harmonia até quase o finalzinho, quando me ocorreram também algumas células inspiradas em Edu Lobo e até Tom Jobim.
Composição não é invenção. É você se servir das células, dos elementos, das estéticas disponíveis e montar o seu 'Lego'.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
Depois nós demos para o Paulo César Pinheiro essa melodia que ele letrou, dando um novo universo, como se fosse um cais antigo, um cais de porto, uma coisa meio sombria, um ambiente meio desolador, algo de saudade, de abandono, um clima meio Blues até. Você vê que música é um universo fantástico, porque nos transporta e une várias culturas numa obra só.

40 anos de 'Acontecências'

SBS Portuguese: O seu álbum mais recente é 'Direto no coração: 40 anos de Acontecências', de 2021, com três músicas inéditas. Entre elas, 'Caçada Humana', uma parceria sua com Aldir Blanc, composta em 1988, que ficou inédita até então. Qual é a história dessa parceria?

Claudio Nucci: Eu sempre fui admirador do Aldir, mas eu não o conhecia. Eu conhecia o João Bosco, com quem já tinha trabalhado no Projeto Pixinguinha, parceiro do Aldir, e conhecia também o Guinga, meio de longe. Eu faço parte de um grupo chamado 'Banda Zil', um trabalho que junta canção com instrumental. Ela é formada pelo Zé Renato e por mim, que cantamos, e também por instrumentistas muito bons, como Julinho Moreira na bateria, João Batista no baixo, Marcos Ariel no piano, Ricardo Silveira na guitarra e Zé Nogueira nos sopros.

A gente estava ensaiando para o primeiro álbum desse trabalho quando o nosso produtor, diretor do show, Paulinho Albuquerque, que veio a falecer em 2006, falou que tinha contato com o Aldir Blanc e poderia mandar algumas músicas que a gente quisesse fazer para ele colocar letra. Eu não titubeei. Fiz duas músicas e mandei para ele. Duas semanas depois, eu recebi um telefonema do Aldir me chamando para ir na casa dele para me mostrar as letras que tinha colocado nas minhas melodias: 'Caçada Humana' e 'Meu quintal', essa segunda ainda inédita em álbuns, disponível apenas no .

SBS Portuguese: Além das inéditas, o álbum 'Direto no coração' também traz novas gravações de músicas já muito conhecidas de sua autoria, com diferentes parceiros, como 'Toada', 'Sapato Velho', 'A Hora e a Vez', 'Acontecência' e 'Quero-Quero'. Como foi para você gravar esse álbum de comemoração aos seus 40 anos de carreira, que inclusive teve participações especiais de Chico Chico, Paulinho Moska, Pedro Luís, Renato Braz, Jaques Morelenbaum, Carlos Malta, entre outros?

Claudio Nucci: É uma festa, né? É uma comemoração. Primeiro eu resolvi mudar os violões das músicas, porque sempre toquei meu violão dedilhado. Então resolvi tocar o violão rasqueado, um violão um pouco mais rítmico e popular. Fiz a maior parte das músicas com esse tipo de pegada, uma pegada de violão de aço.
Eu sempre toquei meu violão dedilhado, mas no álbum mais recente resolvi tocar o violão rasqueado. A obra partiu dos violões.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
A obra toda então partiu dos violões e depois a gente foi pensando a instrumentação, o que ia entrar, que seção rítmica a gente ia colocar. Eu escolhi músicos bem próximos para trabalhar comigo, como o baixista Rômulo Gomes, parceiro de muitos anos. Quem produziu foi o Rafael Lorga, da banda Pietá, e nós começamos a pensar quem poderia cantar aqui, quem poderia cantar ali.

A gente chegou ao Chico Chico pra fazer 'Quero-quero', o Paulinho Moska que cantou 'Toada' lindamente, o Renato Braz, que já conhecia 'Acontecência'. Ele e o Carlinhos Malta participaram dessa música. O Pedro Luís participou de 'Sapato Velho' numa versão bem intimista, com violão. E o Jaques Morelenbaum arranjou finalmente a única música que ele não tinha arranjado do álbum 'O melhor de três', de 1984, que é 'Me dá a mão'.

SBS Portuguese: Você citou 'Sapato velho', um dos seus maiores sucessos. Essa música foi gravada pela primeira vez em 1977 pelo Quarteto em Cy. Mas você considera que a sua carreira começou em 1981. Por quê?

Claudio Nucci: Foi quando eu fiz meu primeiro álbum. É a carreira fonográfica, solo. Eu, como compositor, atuo desde 1977, mas como cantor solo é a partir de 1981. O 'Boca Livre' veio antes. fundamos o grupo em 1978 e eu saí em 1980. Depois eu participei do 'Boca Livre' de novo entre 1999 e 2003. A gente fez um trabalho com o Rubén Blades chamado 'Mundo', um álbum muito bonito, que inclusive foi premiado com o Grammy também na categoria World Music, em 2003.

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Claudio Nucci ao lado de David Tygel, Mauricio Maestro e Zé Renato. Os quatro foram os fundadores do premiado grupo 'Boca Livre', que Nucci integrou de 1978 a 1980 e depois de 1999 a 2003. Source: Supplied
SBS Portuguese: O que significa o 'Boca Livre' na sua trajetória musical?

Claudio Nucci: Tudo. Foi a projeção maior que eu tive, através do 'Boca Livre'. Sem dúvida nenhuma. Aquele primeiro álbum, por exemplo, aquele momento do primeiro álbum, foi um momento chave para todos nós, e acabou sendo um momento emblemático na música, na história da música brasileira, porque tinha essa questão das gravadoras, que produziam tudo e dominavam totalmente o mercado.
O 'Boca Livre' representa tudo na minha trajetória musical. Foi a maior projeção que eu tive.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
Quando nós nos tornamos um grupo em 1978 e cantamos com o Edu Lobo participando do disco dele, 'Camaleão', fizemos uma turnê com ele pelo norte e nordeste do Brasil, no Projeto Pixinguinha. E aí já voltamos com nosso repertório principal, que são as canções mais conhecidas como 'Toada', 'Barcarola do São Francisco', 'Diana'. Essas músicas já tinham sido testadas e o público estava muito afim delas.

Resolvemos então gravar o disco e fomos bater na porta das gravadoras. Chegamos a falar com umas quatro gravadoras. Nenhuma delas quis o 'Boca Livre'. Essa é uma história política de cartolagem das gravadoras, da política das multinacionais. A gente fez uma audição para o Tavito, na época produtor de elenco e produtor musical que produzia discos na RCA Victor. Ele nos disse com todas as letras: "Eu adoro. Mas tenho certeza que se eu mostrar esse trabalho de vocês lá dentro da gravadora, a gravadora não quer, porque não é isso que eles querem agora".

Nós então juntamos as famílias, juntamos um dinheiro das famílias e fizemos o nosso disco. Mas depois a master desse disco entrou numa negociação que o grupo fez com a Polygram, após a minha saída e contra a minha vontade, e hoje, esse disco não é nosso e não está publicado. Ficou dentro da política das multinacionais.
Nosso primeiro disco, feito de forma independente, se perdeu dentro da política das multinacionais.
Claudio Nucci, cantos, compositor e instrumentista
Parcerias

SBS Portuguese: O que você tem a dizer sobre sua parceria com o Zé Renato?

Claudio Nucci: A gente tem um show chamado 'Liberdade e movimento' baseado numa música nova/velha. Em 2016 eu dei de presente para o Zé Renato a letra de 'Bicicleta', uma música antiga. Ele entrou na letra também. Então nós fizemos a letra e começamos a reavivar um show do nosso repertório, e andamos fazendo algumas coisas juntos.

A gente fez um álbum em 1985 que deu nome a uma turnê que a gente fez na época, e volta e meia a gente se encontra. Hoje em dia é mais raro. Mas foram momentos que a gente aproveitou muito bem, como quando compusemos músicas como 'Toada' e 'A hora e a vez'. Teve música por encomenda, música que a gente já tinha feito e foi parar em novela. Ele é um grande parceiro. A gente se conheceu no colégio, ainda.
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Claudio Nucci e Zé Renato se conheceram ainda meninos, na escola, no Rio de Janeiro, e foram parceiros em vários momentos diferentes de suas carreiras. Entre as composições mais famosas dos dois (que incluíram outros parceiros) estão 'Toada' e 'A hora e a vez'. Source: Supplied
O Zé Renato é um grande parceiro. A gente se conheceu no colégio.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
SBS Portuguese: Como você lida com as parcerias? Cada uma é de uma forma, dependendo do perfil do parceiro?

Claudio Nucci: Cada falange é diferente. Tem uma galera que gosta de compor na hora, de fazer a música ali na hora. Eu tive uma experiência muito boa recentemente com o Tato, do Falamansa. Eu estava em São Paulo, fui à casa dele, ele tinha convidado mais um amigo, e nós fizemos uma música em três horas.

Essa é uma dinâmica que atualmente existe muito. São os escritórios de criação, os lugares onde os compositores se reúnem e ficam pegando refrões, frases, ideias, pedaços de melodias, fragmentos e ficam juntando um com o outro. Todos dão 'pitacos', às vezes empaca. Mas como o próprio Tato disse, quando empaca, se são mais de dois, a terceira pessoa dá uma outra saída e a gente consegue resolver aquele problema e terminar a música.
Uma dinâmica muito usada atualmente são os escritórios de criação, onde músicos se reúnem e compõem juntos na hora.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
Outra dinâmica, que é como eu faço por exemplo com o Luiz Fernando Gonçalves, que é letrista, eu faço a melodia, passo pra ele, ele ouve exaustivamente, de forma que ele consiga cantarolar internamente, como se ele tivesse feito, sai cantando a melodia e de repente sai alguma frase, alguma palavra. Aí ele vai moldando em volta daquilo o resto da história. O Paulo César Pinheiro é parecido. Ele pega as músicas e bota as letras. O Juca Filho também faz assim, mas ele é mais de estar presente.

SBS Portuguese: Tem algum parceiro musical que você destaca como sendo alguém que 'lê seus pensamentos'?

Claudio Nucci: O Luiz Fernando Gonçalves. Ele sempre me mostrou o que aquelas músicas (melodias) estavam dizendo. Alguns episódios foram como transmissão de pensamento. Uma vez peguei um ônibus para ir gravar uma música na casa dele, porque ele tinha um gravador de rolo então eu sempre ia gravar lá. No caminho começou a surgir uma outra melodia. Eu cheguei na casa dele desesperado para gravar. Se eu não gravasse naquele momento, ia perder.

Nesse dia ele me atendeu de uma forma meio triste. Depois eu fiquei sabendo que ele tinha ligado para um grande amigo de adolescência, com quem ele tinha perdido contato, e descobriu que esse amigo tinha falecido uma semana antes. Era o Luiz Antônio, amigo do Luiz Fernando, que é o velho companheiro da canção 'Meu silêncio'. Ele fez a letra em cima da melodia que surgiu pra mim quando eu estava no ônibus indo pra casa dele naquele dia, e que eu deixei gravada lá.

Cantor, compositor e instrumentista

SBS Portuguese: Existem artistas que se destacam como cantores, outros mais como compositores ou instrumentistas. Você faz muito bem as três coisas. Se considera melhor em uma delas?

Claudio Nucci: Não, na verdade eu acho que eu sou um conjunto da obra. Gosto de cantar, gosto de compor e gosto de tocar violão. E os shows que eu faço são muito pautados pelo violão e a voz. Para apresentar as canções, fazendo o violão ser o centro da música e a voz entregar ao público o que foi feito. Mas eu gosto igualmente também de escrever letras, de musicar poemas. Essa coisa de compor é muito de exercício, de não parar de fazer.
O tempo vai passando, nossa voz vai mudando. Temos que aceitar e lidar com isso. É o trabalho que estou fazendo agora.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
SBS Portuguese: Com relação à composição, você compõe melodias e também escreve letras. Você prefere um dos dois?

Claudio Nucci: Eu sou muito mais melódico. Às vezes, quando tenho uma ideia de letra muito forte, eu me curvo a ela e faço. Mas eu tenho muita empatia com a melodia, com a harmonia. Sou mais musical do que letrista. Há muito mais melodias minhas do que letras minhas.

Projetos

SBS Portuguese: O que vem pela frente?

Claudio Nucci: Anos atrás a gente ficava pensando sempre no próximo álbum e isso consumia a gente de um jeito! A gente tinha que ter um trabalho de grande fôlego para conseguir suprir o público com um conteúdo, assim como 'fazer o próximo romance'. Eu noto que o músico hoje em dia virou um pouco 'cronista'.
Antes a gente ficava pensando no próximo álbum e isso nos consumia. Era como 'fazer o próximo romance'. Hoje o músico se tornou um pouco 'cronista'.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
Eu tenho agora a vontade de lançar alguns singles, algumas músicas que estão ainda por serem publicadas e que acho que precisam estar aí no mundo para o meu trabalho fazer sentido, e para que elas tenham mais visibilidade.

No meio disso tudo, vão se desenhando grandes ideias. Uma vontade de fazer um volume maior de músicas e de coletar as músicas que eu fiz, por exemplo, com o Paulinho Tapajós, que tem a ver com forró, outras que eu fiz com o Murilo Antunes, que também tem a ver com forró. De repente fazer um EP de forró, pegar um xote, pegar umas coisas que eu fiz nessa onda.

Eu tenho umas bossas. Vou iniciar umas coisas e mergulhar mais no estilo bossa, gravar a minha música com a Joyce, que ainda está inédita. Tem uma música linda que cita Vinícius de Moraes, que eu fiz com o Murilo Antunes, chamada 'A Chuva e a Rosa', que também é uma bossa. Então quero publicar. Tem músicas que foram gravadas por outros artistas que também são bossas.

A gente falou do curso sobre Bossa Nova e a bossa me acompanha desde a época em que eu comecei a aprender violão, lá atrás. Acho que ela nunca me largou. E quando a Joyce me mostrou a letra que ela fez para a minha música, ela falou": "Claudio, você é um bosseiro de primeira! Falam que você é caipira, do interior, cara de calango, de toada, mas você é um bosseiro!"
A Bossa Nova me acompanha desde a época em que eu comecei a aprender violão. Acho que ela nunca me largou.
Claudio Nucci, cantor, compositor e instrumentista
Eu tenho todos esses projetos. Vou agora aproveitar que tenho condição de lançar, de ir fazendo, e me juntar a uma pessoa aqui, a outra pessoa ali, ir juntando os amigos, porque chega de fazer sozinho! Chega de pandemia, de isolamento. Agora eu quero fazer as coisas com os amigos, com as pessoas. Quero juntar gente.

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