Destaques da notícia
- Rodrigo e Igor são doadores de sêmen na Austrália e contaram sobre suas experiências.
- Na Austrália, cada estado e terrítorio possui leis distinstas em relação a doação de sêmen.
- As leis australianas em todo o país proíbem que o doador receba um pagamento financeiro pela doação.
- Um grupo privado no Facebook, com mais de 16 mil membros na Austrália, contabiliza mais de 3 mil crianças por meio dos seus doadores.
Rodrigo, que preferiu usar um nome fictício para esta matéria, decidiu fazer uma doação via clínica de inseminação de maneira anônima para famílias que ele talvez nunca conhecerá na sua vida - e para isso, o seu namorado precisou assinar um termo de autorização para que o processo pudesse acontecer. Atualmente, ambos não desejam ter filhos biológicos, mas pensam em futuramente adotar uma criança para aumentar a família.

A doação de sêmen tem ganhado bastante visibilibidade ultimamente, principalmente na comunidade LGBTQ+ na Austrália. Credit: David Levingstone/Getty Images
Doação de sêmen
Cada estado australiano possui diferentes leis em relação a doação de sêmen, mas geralmente cada doador pode doar para até 10 famílias ou até 10 mulheres em cada estado, incluindo a sua própria família. O principal motivo para a limitação do número de doações é para evitar que essas crianças não se relacionem afetivamente e sexualmente no futuro sem saberem que são irmãos e irmãs.
O Rodrigo decidiu se tornar um doador anônimo em um banco de esperma de Adelaide e, segundo ele, todo o processo durou pouco mais de um ano - contando com as entrevistas com psicólogos, exames médicos com geneticistas, doação, até que finalmente as suas amostras de sêmen estivessem disponíveis para que famílias pudessem escolher o seu perfil. Até o momento desta entrevista, ele disse não saber se alguma criança já havia nascido após sua doação, já que a partir de agora ele irá receber relatórios anuais que irão confirmar quantos nascimentos ele ajudou a acontecer.

As leis para a doação de sêmen na Austrália variam dependendo do estado ou território. Source: Moment RF / Aleksandr Zubkov/Getty Images
“Eu preenchi um questionário sobre a minha personalidade, aparência física e os meus gostos, ao qual as famílias receptoras terão acesso durante o processo de escolha de doador. O formulário incluía atributos físicos como cor de cabelo, olhos, altura, além de interesses, hobbies, habilidades, comida favorita, minhas ambições de vida e outras perguntas, como: Qual palavra descreve sua personalidade? O que você fazia imediatamente após o colégio? O que te dá mais orgulho na vida? Qual é sua memória favorita da infância?”.
Doação anônima
Rodrigo decidiu fazer o processo via clínica porque não gostaria de fazer uma doação diretamente para um casal ou pessoa que ele conhecesse pessoalmente.
“Eu não me sentiria à vontade de ir até a casa da pessoa, ou a pessoa ir até minha casa para coletar a doação. Além disso, eu prefiro estar respaldado legalmente por uma instituição que vai cuidar de todo o processo e que também vai fazer com que tudo flua tranquilamente.”
Aqui na Austrália, quando uma criança nasce via doação, seja anônima ou não, ao completar 18 anos ela tem o direito de acessar as informações do doador, e por isso você tem que manter os seus dados sempre atualizados na clínica para que essa criança possa entrar em contato com você futuramente caso ela queiraRodrigo, doador de sêmen.
Rodrigo também comentou como seria a sua reação caso alguma criança decida entrar em contato com ele após os 18 anos de idade.
"Uma das coisas que precisamos estar conscientes nesse processo, é que você pode nunca receber nenhum contato, pois isso vai depender das famílias e crianças. Mas caso isso aconteça comigo no futuro, eu acho que seria interessante manter um contato sim. Eu tenho muito orgulho das minhas origens e ficaria muito feliz se as pessoas envolvidas tivessem interesse em saber mais sobre mim ou sobre a cultura brasileira”.
Autorização por escrita do parceiro
O Rodrigo disse que a sua família e amigos próximos sabem da sua decisão em se tornar um doador, mas para sua mãe aceitar essa decisão foi um pouco difícil.

As leis australianas em todo o país proíbem que o doador de sêmen receba um pagamento financeiro por isso. Source: iStockphoto / John Kevin/Getty Images/iStockphoto
Rodrigo também falou sobre o processo de consentimento por escrito, que seu parceiro teve que assinar.
No meu caso, eu sou um homem gay e eu tenho um parceiro. E quando você assina um consentimento [de doação], o seu parceiro precisa assinar também, pois esta é uma decisão que precisa ser tomada em conjuntoRodrigo, doador de sêmen.
O Rodrigo também disse que ambos pretendem adotar uma criança no futuro ou fazer foster parenting, que é quando alguém cuida e cria de crianças por um período de tempo enquanto os pais biológicos não têm condições de cuidar dessas crianças por qualquer motivo que seja.
Uma atitude altruísta sem fins lucrativos
As leis australianas em todo o país proíbem que o doador receba um pagamento financeiro por isso.
“Se for para fazer, faça de coração aberto, porque você não vai ganhar nada em troca. Talvez essa tenha sido a coisa mais altruísta que já fiz na minha vida! E faça de coração aberto preparado para qualquer que seja o resultado dessa doação, porque esta é uma decisão muito importante e que vai mudar as vidas de muitas pessoas”.
Ajuda online
O Australiano Adam Hooper, de 37 anos, é o criador de um grupo privado de Facebook que existe há mais de 8 anos chamado , com mais de 16 mil participantes. Além disso, ele faz viagens nacionais e internacionais recrutando mais doadores e divulgando informações relevantes ao tema - o seu website vende kits de inseminação artificial caseira que custam entre 45 e 120 dólares. Além disso, o próprio Adam é um doador e diz já ter ajudado aproximadamente 20 famílias com a doação do seu próprio sêmen, além do seu grupo já ter confirmado o nascimento de mais de 3 mil crianças por meio dos seus doadores.

Grupo no Facebook tem mais de 16 mil membros e conecta homens e mulheres que procuram ou oferecem doações de esperma.
Surrogacy ou “Barriga de Aluguel”
O brasileiro Igor Branco, de Brisbane, disse nunca ter imaginado que se tornaria um doador, já que ele possui um filho biológico fruto do seu casamento anterior.

Muitos casais da comunidade LGBTQ+ na Austrália têm optado por Surrogacy ou “Barriga de Aluguel”. Credit: Westend61/Getty Images/Westend61
“Primeiramente nós conversamos online, depois nos encontramos pessoalmente e conversamos a respeito. Foi um processo super tranquilo e sem expectativa, no qual pesquisamos, exploramos as partes legais, fizemos exames médicos e, no final, assinamos um contrato entre nós para começarmos este processo de doação de semen. O processo não é fácil, fisicamente e psicologicamente. Nós já fizemos 8 tentativas, ela engravidou em uma delas, mas acabou perdendo o bebê, infelizmente, no início da gestação. A gente não desistiu e pretendemos tentar novamente em breve”.
Igor disse que um dos critérios para que ele possa aceitar se tornar um doador para outras famílias é que haja sempre honestidade e sinceridade por parte das pessoas envolvidas, além de que a mãe ou casal tenham boas condições afetivas e financeiras para criarem esta criança “com muito amor e responsabilidade”.
“Um benefício seria também poder conhecer essa criança no futuro e fazer parte da vida dela, sendo tipo um tio para a criança, já que eu imagino que ela vai gostar de saber sobre as suas origens biológicas por parte de pai, perguntar sobre a minha personalidade, quem eu sou, de onde eu vim, dos meus gostos e talvez até mesmo sobre a minha decisão de me tornar o doador que ajudou a gerar a vida dela”.
Um tabu a ser quebrado
Igor deixa um conselho para quem está pensando em se tornar um doador de sêmen, seja anonimamente ou diretamente para uma mulher ou um casal.
“Eu recomendaria se preparar mentalmente e psicologicamente antes para conhecer os próprios limites emocionais que poderão existir. Eu sinto que a doação de esperma ainda é um assunto tabu e merece ser discutido e normalizado, afinal, há muitas maneiras de se constituir uma família, pois nem sempre ela é apenas formada por um pai e uma mãe biológicos, mas sim, por duas mães, dois pais, apenas uma mãe solo, ou simplesmente pessoas que estejam dispostas a criar uma criança com muito amor e responsabilidade”.
*Reportagem: Felippe Canalle
*Produção online: Jason Mathias
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