No dia 3 de março de 2022, quando completou um século de vida, Fernando Alberto de Menezes Ribeiro recebeu, em Camberra, uma carta especial vinda diretamente do Presidente da República Portuguesa, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.A carta foi lida pelo Dr. Pedro Rodrigues da Silva, o Embaixador português na Austrália, em frente a toda a sua família, numa ocasião que acabou, por muitos motivos diferentes, por ser única e verdadeiramente emocionante para todos. Fernando, naturalmente orgulhoso, diz que sentiu uma “grande, grande alegria” naquele momento.
2022: Carta do Presidente da República Portuguesa dirigida a Fernando, pela data do seu aniversário Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Mas na verdade, esta não foi a primeira vez que o governo português o homenageou. Já em 1956, Fernando recebeu a condecoração de Cavaleiro Português pela sua contribuição diplomática em Hong Kong, onde foi convidado a trabalhar no Consulado português aquando da reabertura do mesmo após a Segunda Grande Guerra.Fernando nasceu em berço de ouro no dia 3 de março de 1922, numa época em que (por mais de 400 anos) até 1999 Macau foi uma colónia portuguesa na Ásia, onde as culturas portuguesa e chinesa estavam intrinsecamente interligadas.
Hong Kong, 1956: Fernando com a sua condecoração de Cavaleiro Português à lapela, para ir a uma recepção diplomática com a sua esposa Maria Fernanda Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Neste contexto do colonialismo português nesta parte do mundo, a família de Fernando acabaria por destacar-se e por marcar profundamente a identidade, a economia e a política de Macau, sendo em simultâneo uma referência fortíssima também para os portugueses em Portugal, por mais de 250 anos.
Vários membros da família de Fernando deram contribuições importantes para o desenvolvimento de uma Macau mais moderna e europeizada, mas nenhum fez mais do que o seu bisavô materno, o Conde Bernardino de Senna Fernandes I.
Embora o Conde Bernardino tenha morrido em 1893, 29 anos antes de Fernando nascer, foi ele o empresário que criou a riqueza e o prestígio da família, e a sua viúva, Ana Teresa, continuou a ser um membro altamente influente da comunidade de Macau após a sua morte.
Sabe-se que aos 32 anos era sub-oficial em serviço (Sargento 1ª Classe) do Batalhão Provincial de Macau. No entanto, tornou-se um homem de negócios de muito sucesso, com amplas ligações e um compromisso forte com Macau.
Dizem as histórias da família que ele negociava seda pura e comprou o seu próprio navio para transportá-la, para além de também estar envolvido no negócio do ópio (legal, na época).
O que se sabe, com certeza, é que o bisavô de Fernando era um excelente homem de negócios e que usou a sua riqueza com sabedoria, tornando-se um dos macaenses mais ricos do Território.
Sabe-se também que o Conde estabeleceu a primeira polícia pública de Macau – um pequeno grupo de cerca de 10 pessoas, que pagou e equipou com os seus próprios fundos. Mais tarde, viria a tornar-se o primeiro Comandante da Guarda da Polícia de Macau.
Ele era ativo em muitos campos, inclusive representando o Sião (atual Tailândia) e a Itália como cônsul honorário. Foi Presidente de várias instituições filantrópicas, e activo na política de Macau. A família Senna Fernandes foi uma das '40 famílias líderes' que efetivamente governaram Macau enquanto tecnicamente era administrada a partir de Goa.
Para além das funções de Comandante da Polícia, o bisavô de Fernando exerceu também os cargos de Superintendente da Migração Chinesa (cargo muito sensível e crítico para Macau) e Inspector de Incêndios.
Foi também presidente da Comissão da Santa Casa da Misericórdia (que passou a designar-se Gabinete de Saúde e Serviços Humanos) e foi membro fundador da Associação para a Promoção da Instrução (educação) dos Macaenses (APIM).O pai e os avós de Fernando morreram muito jovens, e foi para a casa de Ana Teresa, bisavó, que sua mãe Maria Celeste regressou após a morte do seu pai em 1924. Assim, em muitos aspectos, o Conde Bernardino e a sua família tiveram uma influência importante na formação de Fernando.
Macau, 1890: Bernardino de Senna Fernandes, bisavô de Fernando Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Os antepassados de Fernando bem como os de Maria Fernanda Nolasco da Silva - que passaria a chamar-se Maria Fernanda de Menezes Ribeiro, a partir do dia 15 de setembro de 1945, depois do casamento de ambos, já em tempo de paz, após a segunda guerra mundial - constituem uma parte fundamental do panorama da alta sociedade macaense da época e contribuíram, de forma muito paralela, para o crescimento e desenvolvimento de Macau tal como o conhecemos nos dias de hoje.Por tudo o que os unia, os Nolasco da Silva e os Menezes Ribeiro tinham especial empatia e afinidade entre si enquanto famílias poderosas e abastadas. E os casamentos entre pessoas de ambas as famílias acabaram por acontecer, naturalmente. E, assim, Fernando e Maria Fernanda começaram os seus intensos e muito felizes 75 anos de vida como casal.Mantiveram-se sempre juntos até 2020, quando Maria Fernanda acabou por falecer, para grande infelicidade de todos na família, especialmente Fernando e os cinco filhos de ambos: Margarida Maria (a primogénita e única a nascer em Macau), Isabel Maria, João Paulo e Luiz Alberto (os três ´do meio´ que nasceram em Hong Kong) e Maria Gabriela (a mais nova e a única nascida na Austrália, já depois da família emigrar para Camberra em 1963).
Macau, 15 de Setembro de 1945: Família Nolasco à esquerda, família Ribeiro à direita. Maria Fernanda e Fernando são os noivos ao centro Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Camberra, 2005: Fernando e Maria Fernanda no seu 60º aniversário de casamento, celebrado no Canberra Yacht Club Source: Baltronics
Como aconteceu a muitas famílias portuguesas poderosas que viviam em Macau naquela era, Fernando e Maria Fernanda viram-se obrigados a abandonar o país na sequência da grande instabilidade que a Segunda Guerra Mundial trouxe. Dali partiram para Hong Kong onde se estabeleceram e viveram bem por alguns anos.Em 1963, já depois de um período de vida intensa de trabalho e socialmente vibrante em Hong Kong, Fernando sentiu que, embora Hong Kong continuasse a ser uma sociedade predominantemente chinesa (administrada pelos ingleses pelo tratado que se manteve até 1997), era também um local subjugado ao poder comunista de Mao Tsé-Tung (1949-1976).
Hong Kong, 1952: Maria Fernanda (junto a Fernando) cumprimenta Sua Alteza Real Princesa Marina,Duquesa de Kent, na Casa do Governo de Hong Kong Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Esta atmosfera de tensão política não era favorável a famílias como a Ribeiro. Veio inclusive a provar-se uma experiência perigosa, ao ponto de Fernando atravessar uma fase da sua vida em que se viu obrigado a usar uma arma para defesa pessoal, que o acompanhava sempre que saía para trabalhar.Em 1956, face a tanta luta e instabilidade nas ruas de Hong Kong, Fernando iniciou o projeto de emigração da família, principalmente para o bem das crianças.
Hong Kong, 1954:Inauguração da Escola Camões (Fernando chegou a dar aulas de português) de Kowloon. Fernando cumprimenta o Governador Sir Alexander Grantham Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Austrália foi um destino óbvio pois todos tinham fluência no inglês (além do cantonês e do português), e já tinham, entretanto, família e amigos em Sydney.
Portanto, instalarem-se em Camberra depois de passarem um tempo com a família em Sydney foi só uma questão de tempo.Apesar de tantas mudanças, a cultura e forma de estar na vida macaenses continuaria gravada nos corações de Fernando e Maria Fernanda.
Camberra, 1963: Margarida, Isabel e João (três filhos mais velhos de Fernando) preparados para a escola australiana Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
E o casal foi passando, de geração em geração, as suas histórias de vida: a infância feliz nas casas apalaçadas das suas famílias; o acesso privilegiado a tudo o que o dinheiro e o status oferecem tal como carros de luxo (Maria Fernanda foi uma grande aficionada dos desportos motorizados e, em 1954, chegou até a competir no ´Macau Grand Prix´ feminino) e atividades desportivas de elite (Fernando foi um atleta de ténis e badmington e até hoje os desportos de raquetes são os seus favoritos); as viagens incríveis, por Portugal e pelo mundo fora onde sempre tiveram família e amigos vários; a experiência de viverem rodeados de muitos empregados domésticos sempre prontos a ajudar, bem como terem sido criados por amas alocadas a cada uma das crianças da família; a educação primorosa dada por tutores em casa; as festas e bailes de gala com convidados que incluíam figuras públicas da época e até personagens da realeza europeia (a Sua Alteza Real Princesa Marina, Duquesa de Kent, para dar um exemplo)... enfim...
Nem 100 anos de escrita aqui dariam para documentar, ao pormenor, as histórias e as experiências de Fernando e Maria Fernanda e as suas respetivas famílias, em tudo idênticas no seu estilo de vida.Há, contudo, um livro escrito e publicado em 2008 por Peter Grills, o genro de Fernando, casado com a sua filha Margarida. O livro é entitulado “Família Ribeiro”, e pode aceder à sua sinopse .
Macau, 1954: Maria Fernanda pousa em frente ao seu carro e placa do patrocinador, antes de competir na corrida feminina do Grand Prix Macau Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Este livro é uma biografia da família, incluindo os seus antepassados e descendentes. Mas também é um documento interessante acerca do contexto histórico de Portugal, Macau, Hong Kong e Austrália do período em que a família viveu nestes países.
É um livro repleto de fotografias, de episódios e peripécias da família Ribeiro, dos seus privilégios mas também das suas dificuldades durante e após a Segunda Guerra Mundial.
Este livro é, sobretudo, o testemunho do contributo e dedicação de Fernando e toda a sua família ao serviço público e à diáspora portuguesa ao longo dos tempos.Depois de 1963, quando chegou a Camberra, destacado para servir à frente da embaixada portuguesa na Austrália, Fernando deparou-se com uma realidade e uma cultura muito diferentes. E não foi fácil a adaptação inicial.
Hobart, 1974: Equipa representante do ACT Veteran, a jogar em Hobart. Fernando é o atleta mais à direita. Source: Baltronics
Mas, como sempre, Fernando foi, e ainda é depois de um século de vida, um homem de família, e a vinda para a Austrália acabou por representar segurança e aventura para todos.
E parece que vir para Down Under foi a decisão melhor que tomou pois, segundo Fernando disse à SBS, se tivesse que viver mais 100 anos, “seria na Austrália com certeza”. Principalmente, porque, acima de tudo, Fernando é um homem de família e é na Austrália que tem a família que agora lhe resta, e que é mesmo assim "uma grande família" à qual se juntam "muitos e bons amigos", assegura Fernando.Muito fica por dizer sobre Fernando Alberto de Menezes Ribeiro e tudo o que ele e a sua família representam para os portugueses no mundo, em particular na Austrália onde serviu a comunidade até Agosto de 1987 através da sua posição na Embaixada em Camberra.Mas, por hoje, e em nome de toda a equipa da SBS em português, ficam aqui os nossos sinceros parabéns pelos 100 anos de vida de Fernando, nesta peça que muito nos fez sentir humildes, honrados e agradecidos.
2019, Austrália: foto com toda a família, pela ocasião do 97º aniversário de Fernando. Maria Fernanda (ao centro) viria a falecer pouco tempo depois. Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Camberra, 1987: Fernando na sua secretária na Embaixada de Portugal, no seu último dia de trabalho para a comunidade portuguesa na Austrália Source: Imagem de cortesia da família Ribeiro
Para ouvir Fernando Menezes Ribeiro nesta curta entrevista à SBS em português que, dada a sua idade avançada e estado naturalmente frágil de saúde só foi possível graças à gentileza e apoio logístico da família, clique sobre a primeira fotografia deste artigo.