Fotógrafo brasileiro radicado em Londres expõe arte LGBTQIA+ na Austrália

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Asafe é um fotógrafo brasileiro que mora em Londres há 10 anos e desembarca na Austrália, pela primeira vez

Com uma infância e adolescência marcadas pelo preconceito e pela violência física e mental devido a sua sexualidade, o fotógrafo Asafe Ghalib conta à SBS em Português como transformou a sua experiência em arte e inspiração para homenagear a comunidade LGBTQIA+. Ele expõe em Melbourne.


Asafe Ghalib, 33 anos, nasceu na cidade de Nilópolis, no Rio de Janeiro. Morando em Londres há 10 anos, seu trabalho fotográfico ganhou o mundo ao ser exposto e aclamado em diversos países, incluindo os Estados Unidos, a Inglaterra, Alemanha, Itália, Holanda e agora aqui na Austrália.

O motivo da viagem à Austrália é prestigiar a sua exposição Queer Immigrants, que faz parte do festival Queer Photo, um evento do Midsumma Festival e PHOTO 2024 International Festival.

“Queer Immigrants é um ato de rebeldia e de confrontamento para a nossa comunidade, que é mal representada e não respeitada. É um ato de sobrevivência. A gente sempre esteve aqui, mas fomos negligenciados, pois a sociedade nos tirou dos livros de história.

"É por isso que as minhas fotos são em preto em branco. Isso é quase que trazer a comunidade queer para os livros de história, nos colocando num lugar de beleza e de excelência. É isso o que traduz o meu projeto”, diz Asafe em entrevista exclusiva para a SBS em Português.
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Os paineis gigantes de Asafe no Festival Queer Photo 2024
"A homofobia me fez sentir um estrangeiro no meu habitat natural"

Eu me sentia um estrangeiro na minha própria cidade natal, em Nilópolis. Eu não conseguia me sentir confortável dentro da minha própria pele devido ao preconceito que havia nas ruas - do perigo que é você ser LGBTQIA+ no Rio de Janeiro, principalmente vindo de periferia.

Eu nasci em Nilópolis, na Baixada Fluminense, e era muito perigoso. Eu me sentia totalmente fora do padrão por causa desse preconceito exacerbado e excessivo que existia na década de 2000. Eu já sofri homofobia no colégio, na natação, em casa, com os meus irmãos e a minha família. Então, eu me sentia um peixe fora d’água, eu me sentia um estrangeiro no meu habitat natural.
"Precisei fugir de casa para sobreviver"

O que me fez sair do meu ambiente é porque a minha vida estava muito difícil em relação a minha família, sobre a minha identidade e a minha sexualidade. Foi um desafio! O meu pai era muito conhecido na igreja, um cantor gospel, e eu comecei a me descobrir com 18 ou 19 anos. Ele sempre tentou me criar dentro dos termos e dos dogmas da igreja - foi muita repressão, foi muito violento e muito abusivo também, não só verbalmente como fisicamente. E estava sendo muito difícil transitar pelas ruas, pois eu escutava ameaças das pessoas, inclusive, das pessoas da igreja também.

Foi aí que eu tive que sair de casa, por não me aceitarem. Eu saí num ato muito violento. Eu tive que, basicamente, fugir desse ambiente para que eu pudesse viver e sobreviver. Me encontrar a partir da minha própria existência e daquilo que eu queria fazer. Eu fui morar com o meu namorado na época. Mas, hoje em dia, as coisas estão muito melhores. Mas, naquela época, na área da sexualidade e da identidade, foi algo muito difícil.
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Paineis da exposição Queer Photo, em Melbourne
"Nasci em uma casa criativa - Meu pai" 

Um lado muito positivo do meu pai, foi que ele sempre me incentivou nas artes. Eu nasci em uma casa muito criativa. O meu irmão é baterista e o meu outro irmão é percussionista. E por o meu pai ser cantor, ele também sempre foi muito criativo - ele escreve músicas, ele canta, toca vários instrumentos, e eu acho que foi esse lado que me levou para área das artes, da fotografia, da pintura, e do canto, pois eu também toco violão. Ele foi um grande apoiador das artes.
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Asafe Ghalib: "Eu peguei essa dor, esse trauma, e transformei em algo frutífero e benéfico para a minha existência e para a minha arte."
"Minha mãe nunca me abandonou" 

A minha mãe foi uma grande apoiadora da minha identidade e da minha existência. Ela nunca me reprimiu e sempre me deixou vestir e usar tudo o que eu queria - as roupas, os tênis, as cores e tudo mais. Eu fui muito amado e respeitado pela minha mãe, mesmo ela sendo de uma religião em que as mulheres não têm muita voz de comando. Ela sempre esteve do meu lado e nunca me abandonou.

"A influência da religião na minha vida - Luz a sombra"

As minhas referências na época eram poucas, porque eu estudei num colégio religioso até os 15 anos, então, eu não podia escutar músicas seculares, que não fossem religiosas. E eu também não podia ir às galerias de artes, porque elas eram consideradas demoníacas. E é por isso também que meu trabalho fala sobre esse lugar obscuro, esse lugar de contraste entre luz e sombra, esse lugar de medo e ao mesmo tempo essa beleza, esse drama que é um lugar onde eu habitei por muito tempo. E eu quis explorar isso dentro das minhas fotos. Esta seria uma camada da minha existência que é posta em prática dentro da minha estrutura artística.
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"Eu acho que esse momento de reparação histórica é essencial. Ver essa exposição em um lugar tão lindo me emociona muito."
“A fotografia foi uma ferramenta para que eu pudesse me encontrar"

Quando eu cheguei em Londres, eu mal falava inglês, então, eu comecei a querer fotografar e a me integrar na sociedade. Na verdade, a fotografia foi uma ferramenta para que eu pudesse me encontrar e me aproximar de pessoas que eu tinha interesse em aprender. Como eu já disse, eu vim de um lugar muito reprimido e muito religioso, então, Londres foi o completo oposto disso.

Essa foi a forma que eu consegui me colocar, me integrar dentro dessa comunidade, de aprender com ela a como me vestir, aonde ir, o jeito de amar, de segurar e dar as mãos na rua, e de sair e me relacionar com um grupo de pessoas que te respeitam como ser humano. E isso foi muito lindo e eu aprendi muito em Londres.

E eu aprendi a fotografar vendo vídeos no YouTube, eu fui aprender assim, sendo autodidata. Eu trabalhava em cafés e restaurantes. E aí comprei a minha primeira câmera e a minha primeira lente. E aí eu fui fotografando amigos em parques, em cemitérios, em campos de flores, nas ruas, nos banheiros e em todos os lugares que eu podia imaginar. E aí eu postava tudo no meu Instagram.

As coisas foram tomando essa essa magnitude que hoje é o nosso trabalho, é o trabalho da nossa comunidade, porque eu não seria nada se não fossem estes personagens da vida real.

"Não existe um lugar totalmente seguro para a comunidade LGBTQIA+"

O que eu queria fazer com essa exposição e com esse título foi bem esse lugar de início do nosso lugar de existência. Mesmo que a gente esteja na nossa própria casa, onde a gente nasceu, na nossa própria cidade, ainda assim nos sentimos um imigrante. Não nos sentindo parte do nosso próprio lugar. E aí você vai e se desloca para se encontrar a partir de si mesmo. E você ainda vê o preconceito, seja no Brasil ou em Londres.

Não existe um safe space (lugar seguro) para a comunidade LGBTQIA+, o que existe é um lugar menos perigoso, um lugar onde você pode ter menos conflitos por você ser quem você é.
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Asafe: "Quando eu cheguei em Londres, eu mal falava inglês, então, eu comecei a querer fotografar e a me integrar na sociedade"
Queer Immigrants - A sociedade nos tirou dos livros de história

Então, Queer Immigrants é um ato de rebeldia e de confrontamento para a nossa comunidade, que é mal representada e não respeitada na sociedade. É um ato de sobrevivência. A gente sempre esteve aqui, mas fomos negligenciados, pois a sociedade nos tirou dos livros de história. É por isso que as minhas fotos são em preto em branco. Isso é quase que trazer a comunidade Queer para os livros de história, nos colocando num lugar de beleza e de excelência. É isso o que traduz o meu projeto.

O evento Queer Photo

Uma amiga me falou para eu aplicar um projeto para o festival Queer Photo, então eu apliquei, e fui selecionado. Eu estou muito feliz e muito grato por estar participando desse evento grandioso e majestoso com artistas incríveis do mundo inteiro.

“Saber viver neste país preconceituoso, racista, misógino e xenofóbico também é uma forma de arte”

Eu me emociono muito quando eu falo sobre o Brasil, ainda mais porque eu estou aqui neste exato momento enquanto dou esta entrevista. O Brasil valoriza muito a arte! Quem gosta e quem vive de arte valoriza a arte. O Brasil tem artistas incríveis. Agora, se vamos falar de um todo, a extrema direita não valoriza, né! Porque arte não faz sentido para ela, a arte para ela é considerada algo fútil.

Mas para as pessoas que entendem o que é a vida, elas sabem que a vida começa pela arte. No Brasil, não são somente as pessoas que fazem a arte literal que são artistas, né! Saber viver neste país preconceituoso, racista, misógino e xenofóbico também é uma forma de arte.

Como é ser LGBTQIA+ e imigrante neste mundo

Eu acho que toda pessoa queer e toda pessoa imigrante já passou, está passando ou vai passar por dificuldades diferentes a partir do meio em que ela vive. Ela vai ser tratada diferente, sabe.

Uma coisa que eu aprendi, é que não importa de onde você vem, ou de qual classe social você é, ou o seu grau de educação - se você é gay, se você é imigrante, se você é preto, ou se você é latino, você vai estar propício ao preconceito.
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A exposição Queer Immigrants, de Asafe, chega a Melbourne
Mas eu acredito que a possibilidade de eu estar participando dessa exposição, e do mundo estar mudando, de a gente (comunidade LGBTQIA+) estar ocupando lugares, eu acho que faz com que a cabeça das nossas famílias ou de gerações anteriores que as minhas, comecem a respeitar e a nos ver como seres humanos.

Queer Immigrants, por Asafe Ghalib
Quando: até 24 de março
Horário: De segunda a domingo, das 10am às 5pm
Onde: Werribee Park Mansion
Endereço: Gate 2, K Rd, Werribee South.
Evento gratuito parte do Midsumma Festival e PHOTO 2024 International Festival.

Para ouvir a entrevista completa, clique no 'play' desta página, ou siga o perfil SBS Portuguese no seu agregador de podcasts preferido.

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