Como conciliar ser parlamentar e sofrer de gaguez? O caso em prova no parlamento português
Tropeçar nas sílabas, sons repetidos, tiques faciais ou troca de palavras a meio para conseguir acabar a frase — a gaguez é uma perturbação da fluência que afeta cerca 1% da população.
O que qualquer pessoa que gagueja enfrenta todos os dias é o esforço constante para comunicar. Há momentos em que a fala flui de forma natural, intercalados com outros, onde a gaguez faz das suas.
Um especialista da Sociedade Portuguesa de Terapeutas da Fala explica que “a gaguez se caracteriza pela presença de disfluências atípicas do discurso, de natureza involuntária, com duração e forma variáveis, que resultam de dificuldades de planeamento e execução motora da fala”. Ou seja, a pessoa sabe exatamente o que quer dizer, mas a palavra simplesmente não flui. Este esforço leva a tensão muscular, que até pode levar a outros movimentos involuntários, piscar de olhos, tremores de lábios e tanto mais.
A gaguez tornou-se um tema de discussão pública em Portugal, porque uma das deputadas com mais notoriedade, Joacine Katar Moreira, eleita pelo partido Livre, situado na esquerda socialista liberal, é expressivamente gaga. Como vamos escutar, na intervenção que fez a abrir a sua fala no parlamento português;
Doutorada em Estudos Africanos, Joacine Katar Moreira nasceu na Guiné-Bissau há 37 anos e veio para Portugal com oito. Na Guiné foi educada pela avó porque os pais eram muito jovens. Foi a avó quem a enviou para um colégio interno em Mafra, afastando-a da instabilidade política que se vivia na Guiné. Para pagar a licenciatura trabalhou em supermercados e em hotéis. Licenciou-se em História Moderna e Contemporânea, tirou um mestrado em Estudos do Desenvolvimento e doutorou-se em Estudos Africanos no ISCTE, onde é investigadora do Centro de Estudos Internacionais.
Joacine é uma investigadora reconhecida como brilhante. É alguém cujo pensamento acrescenta valor ao parlamento português. O que se discute é se é possível debater num Parlamento sem um mínimo de fluência discursiva. A palavra “parlamento” vem do francês “parler”. Significa falar ou discursar. Não há democracia sem debate. Quais são os limites? A experiência está à prova no parlamento português.