'Lembro-me dos meus pais, à mesa, dias a fio, rodeados da papelada do Visto': ser adolescente imigrante

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Sofia Cabral e o seu pai (à esquerda), Luisa e Gustavo David com os seus pais (à direita) - as duas famílias no arranque do seu processo de imigração na Austrália Credit: Source: Sofia Cabral e Luísa e Gustavo David

A SBS em Português foi ao encontro dos adolescentes portugueses e brasileiros da nossa comunidade na Austrália, no âmbito desta série de quatro podcasts que dá pelo nome de Adolescente Imigrante. Este é o terceiro episódio, onde iremos explorar as estratégias de superação dos desafios pessoais dentro do núcleo familiar dos nossos três entrevistados – a portuguesa Sofia Cabral, e os irmãos brasileiros, Gustavo e Luísa David - durante os seus respectivos processos de adaptação à Austrália.


 A série de quatro podcasts, Adolescente Imigrante, nasceu do desejo de criar a oportunidade de ouvir os jovens da nossa comunidade, numa conversa rara, aberta e franca, acerca dos prós e contras das suas experiências de emigração, da sua capacidade de superação, mas também da sua saúde mental.

Este é, então, o terceiro episódio, no qual ouvimos as experiências singulares de cada um dos nossos adolescentes emigrantes entrevistados, relativamente ao processo de aculturação e integração na Austrália, enquanto família no seu todo.

Começamos por ouvir Sofia, que se identifica como portuguesa de gema embora tenha vivido toda a sua vida na Nova Zelândia até ao dia em que chegou à cidade de Melbourne, na Austrália, no pico dos seus 14 anos.

Com uma família muito unida e bilingue - fluente no inglês e no português, Sofia viveu as dores de imigração expectáveis, mas sente que as preocupações e o stress naturais dos seus pais aquando da chegada da família a Melbourne, nunca os impossibilitaram de dar a atenção que ela e o seu irmão precisaram naquele que foi, talvez, um dos momentos mais vulneráveis que os quatro viveram juntos.
Os meus pais sempre conseguiram transmitir-nos uma certa paz, durante o processo de adaptação à Austrália
Diz Sofia Cabral, a adolescente portuguesa que se lembra de chegar da escola e ver os pais em casa, sentados à mesa, rodeados de papelada, a tratar do Visto de permanência da família na Austrália, por dias a fio
Sofia recorda, no entanto, os dias em que chegava da escola para encontrar os seus pais literalmente ´focados´ e preocupados com aquelas que eram, na época, as maiores decisões da vida da família.

E não foi fácil assistir aos pais a tratarem de tanta coisa ao mesmo tempo, tão intensamente.

Contudo, diz a adolescente portuguesa que os seus pais sempre conseguiram retirar todo o peso burocrático e logístico das suas costas e das costas do seu irmão.

Sofia vai até mais longe e diz que ela teve o espaço e o tempo para digerir, não as dores dos seus pais mas as suas próprias tristezas, inseguranças e medos.
Os meus pais estavam lá sempre para mim. Mas também tive que ser eu a digerir o meu próprio processo, afinal, um adolescente não conta tudo aos pais
Explica, Sofia Cabral
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Gustavo, hoje já aluno universitário, está a planear a sua primeira viagem a solo pela Europa, já no ano que vem. Credit: Source: Gustavo David
Já Gustavo David, o nosso convidado brasileiro nascido e criado na cidade de São Paulo até emigrar para a Austrália aos nove anos, diz que se o impacto do processo duro da imigração o fez crescer, e acabou por fazê-lo de forma muito positiva.
A imigração teve um efeito interessante no meu desenvolvimento enquanto criança. Não é toda a gente que, com apenas nove anos de idade, muda tudo na sua vida
Confessa Gustavo David, o jovem brasileiro que viveu as primeiras semanas na casa da avó, onde partilhou o quarto com o seu pai nos primeiros tempos de Austrália
Gustavo acredita que as crianças não nascem com o “dom de conseguir ler os pais”, e que isso é uma espécie de benção.

De certa forma, a ignorância do verdadeiro estado emocional do pai e da mãe durante a organização e adaptação da família à Austrália, permite que as crianças sejam poupadas do pior.
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Sofia Cabral, diz ter "feito as pazes com os seus mundos todos" e, embora fique para sempre emocionalmente dividida entre Portugal, Nova Zelândia e a Austrália, a jovem advogada na área das seguradoras acredita que irá estabelecer-se em Melbourne no futuro.
Eu nunca fui bom a ler as emoções dos meus pais. E isso acabou por me poupar da realidade da nossa situação na época
Diz Gustavo, cujos pais tentaram que ele e a sua irmã passassem pela fase de adaptação à Austrália o mais suave e despreocupadamente possível.
Luísa David, a irmã mais velha de Gustavo, que chegou a Melbourne com 11 anos de idade, é da mesma opinião que o seu irmão:
Os filhos não conseguem sentir as dores dos pais da mesma forma como os pais conseguem sentir as dores dos filhos
Explica Luísa David, que tem a consciência de que não ter percebido a aflição dos seus pais nos primeiros tempos de Austrália, quando tinha apenas 11 anos de idade e uma vida nova para gerir, foi uma benção para si.
Quanto à formação das suas personalidades como indivíduos, a adolescente brasileira considera que a imigração acabou por ter um impacto positivo.
Estou orgulhosa na mulher em que me tornei. Termo-nos mudado para a Austrália fez de mim uma pessoa ainda mais aberta, comunicativa e curiosa do que já era no Brasil
Diz Luísa David
Numa coisa os nossos três entrevistados estão em absoluto acordo – todos os adolescentes imigrantes precisam de apoio, não só da família e amigos, mas também de profissionais de saúde mental e até da sua comunidade de origem na Austrália.
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Luísa David, também já na universidade, continua a adorar o seu Brasil mas, já rendida à Austrália, confessa que é aqui que se sente em casa neste momento da sua vida.
Sofia partilhou um episódio que aconteceu consigo na escola, que a marcou profundamente, e que a leva a acreditar que as escolas australianas precisam de apoiar mais e melhor os seus estudantes imigrantes.
Lembro-me de apanhar uma colega de escola, sozinha na casa de banho, a chorar e a dizer que já não aguentava mais. Há muitos de nós, adolescentes imigrantes, que precisam muito de ajuda.
Diz Sofia Cabral, a adolescente portuguesa
Luísa acrescentou que ser adolescente em processo de adaptação a um novo país, nova cultura, tudo novo... é extremamente solitário.

Para a jovem brasileira, há casos agudos de solidão em que a ajuda de um profissional de saúde mental faria toda a diferença.
Grande parte dos adolescentes imigrantes na Austrália sofre em silêncio, numa grande solidão
Explica Luísa David
Gustavo acredita que a melhor solução para ajudar os adolescentes imigrantes passa por um apoio, não só ao nível dos profissionais de saúde mental, mas acima de tudo por parte da comunidade cultural de origem do adolescente.
Penso que a comunidade imigrante [neste caso a brasileira e a portuguesa] deveria ter pessoas e processos de apoio preparados para os seus adolescentes. Alguém que fala a língua, que já passou pelo mesmo, com quem se pode comer um pãozinho de queijo e conversar
Alerta Gustavo David
Os nossos três Adolescentes Imigrantes viveram a sua aventura de imigração na Austrália de forma única e, muito generosamente, abriram o seu coração à SBS em Português para partilharem os seus sentimentos, medos, vitórias e dificuldades.

Para ouvir Sofia, Gustavo e Luísa neste terceiro episódio da série de podcasts Adolescente Imigrante basta que clique no botão PLAY junto ao título deste artigo.

E porque a ideia é terminar esta série de podcasts numa nota positiva e útil, não só para todos os adolescentes, mas também para as suas famílias, dedicaremos o próximo, quarto e último episódio do Adolescente Imigrante à discussão do tema da imigração de forma mais abrangente, entrevistando uma profissional da saúde mental especialista em acompanhamento de jovens adolescentes na Austrália.

Não perca o último episódio da série Adolescente Imigrante, que tal como todos os outros incluindo este, foram produzidos e apresentados por Carla Guedes, mas desta vez com o apoio editorial de Fernando Vives e o apoio técnico de Joel Supple e Caroline Gates. 

Para acompanhar esta série de podcasts basta aceder à ou às nossas páginas de onde também tem acesso a todos . E já sabe: ouça a ao vivo, todas as quartas e domingos ao meio-dia, ou na hora que quiser, na

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