A série de quatro podcasts, Adolescente Imigrante, nasceu do desejo de criar a oportunidade de ouvir os jovens da nossa comunidade, numa conversa rara, aberta e franca, acerca dos prós e contras das suas experiências de emigração, da sua capacidade de superação, mas também da sua saúde mental.
Este é, então, o terceiro episódio, no qual ouvimos as experiências singulares de cada um dos nossos adolescentes emigrantes entrevistados, relativamente ao processo de aculturação e integração na Austrália, enquanto família no seu todo.
Começamos por ouvir Sofia, que se identifica como portuguesa de gema embora tenha vivido toda a sua vida na Nova Zelândia até ao dia em que chegou à cidade de Melbourne, na Austrália, no pico dos seus 14 anos.
Com uma família muito unida e bilingue - fluente no inglês e no português, Sofia viveu as dores de imigração expectáveis, mas sente que as preocupações e o stress naturais dos seus pais aquando da chegada da família a Melbourne, nunca os impossibilitaram de dar a atenção que ela e o seu irmão precisaram naquele que foi, talvez, um dos momentos mais vulneráveis que os quatro viveram juntos.
Os meus pais sempre conseguiram transmitir-nos uma certa paz, durante o processo de adaptação à AustráliaDiz Sofia Cabral, a adolescente portuguesa que se lembra de chegar da escola e ver os pais em casa, sentados à mesa, rodeados de papelada, a tratar do Visto de permanência da família na Austrália, por dias a fio
Sofia recorda, no entanto, os dias em que chegava da escola para encontrar os seus pais literalmente ´focados´ e preocupados com aquelas que eram, na época, as maiores decisões da vida da família.
E não foi fácil assistir aos pais a tratarem de tanta coisa ao mesmo tempo, tão intensamente.
Contudo, diz a adolescente portuguesa que os seus pais sempre conseguiram retirar todo o peso burocrático e logístico das suas costas e das costas do seu irmão.
Sofia vai até mais longe e diz que ela teve o espaço e o tempo para digerir, não as dores dos seus pais mas as suas próprias tristezas, inseguranças e medos.
Os meus pais estavam lá sempre para mim. Mas também tive que ser eu a digerir o meu próprio processo, afinal, um adolescente não conta tudo aos paisExplica, Sofia Cabral

Gustavo, hoje já aluno universitário, está a planear a sua primeira viagem a solo pela Europa, já no ano que vem. Credit: Source: Gustavo David
A imigração teve um efeito interessante no meu desenvolvimento enquanto criança. Não é toda a gente que, com apenas nove anos de idade, muda tudo na sua vidaConfessa Gustavo David, o jovem brasileiro que viveu as primeiras semanas na casa da avó, onde partilhou o quarto com o seu pai nos primeiros tempos de Austrália
Gustavo acredita que as crianças não nascem com o “dom de conseguir ler os pais”, e que isso é uma espécie de benção.
De certa forma, a ignorância do verdadeiro estado emocional do pai e da mãe durante a organização e adaptação da família à Austrália, permite que as crianças sejam poupadas do pior.

Sofia Cabral, diz ter "feito as pazes com os seus mundos todos" e, embora fique para sempre emocionalmente dividida entre Portugal, Nova Zelândia e a Austrália, a jovem advogada na área das seguradoras acredita que irá estabelecer-se em Melbourne no futuro.
Eu nunca fui bom a ler as emoções dos meus pais. E isso acabou por me poupar da realidade da nossa situação na épocaDiz Gustavo, cujos pais tentaram que ele e a sua irmã passassem pela fase de adaptação à Austrália o mais suave e despreocupadamente possível.
Luísa David, a irmã mais velha de Gustavo, que chegou a Melbourne com 11 anos de idade, é da mesma opinião que o seu irmão:
Os filhos não conseguem sentir as dores dos pais da mesma forma como os pais conseguem sentir as dores dos filhosExplica Luísa David, que tem a consciência de que não ter percebido a aflição dos seus pais nos primeiros tempos de Austrália, quando tinha apenas 11 anos de idade e uma vida nova para gerir, foi uma benção para si.
Quanto à formação das suas personalidades como indivíduos, a adolescente brasileira considera que a imigração acabou por ter um impacto positivo.
Estou orgulhosa na mulher em que me tornei. Termo-nos mudado para a Austrália fez de mim uma pessoa ainda mais aberta, comunicativa e curiosa do que já era no BrasilDiz Luísa David
Numa coisa os nossos três entrevistados estão em absoluto acordo – todos os adolescentes imigrantes precisam de apoio, não só da família e amigos, mas também de profissionais de saúde mental e até da sua comunidade de origem na Austrália.

Luísa David, também já na universidade, continua a adorar o seu Brasil mas, já rendida à Austrália, confessa que é aqui que se sente em casa neste momento da sua vida.
Lembro-me de apanhar uma colega de escola, sozinha na casa de banho, a chorar e a dizer que já não aguentava mais. Há muitos de nós, adolescentes imigrantes, que precisam muito de ajuda.Diz Sofia Cabral, a adolescente portuguesa
Luísa acrescentou que ser adolescente em processo de adaptação a um novo país, nova cultura, tudo novo... é extremamente solitário.
Para a jovem brasileira, há casos agudos de solidão em que a ajuda de um profissional de saúde mental faria toda a diferença.
Grande parte dos adolescentes imigrantes na Austrália sofre em silêncio, numa grande solidãoExplica Luísa David
Gustavo acredita que a melhor solução para ajudar os adolescentes imigrantes passa por um apoio, não só ao nível dos profissionais de saúde mental, mas acima de tudo por parte da comunidade cultural de origem do adolescente.
Penso que a comunidade imigrante [neste caso a brasileira e a portuguesa] deveria ter pessoas e processos de apoio preparados para os seus adolescentes. Alguém que fala a língua, que já passou pelo mesmo, com quem se pode comer um pãozinho de queijo e conversarAlerta Gustavo David
Os nossos três Adolescentes Imigrantes viveram a sua aventura de imigração na Austrália de forma única e, muito generosamente, abriram o seu coração à SBS em Português para partilharem os seus sentimentos, medos, vitórias e dificuldades.
Para ouvir Sofia, Gustavo e Luísa neste terceiro episódio da série de podcasts Adolescente Imigrante basta que clique no botão PLAY junto ao título deste artigo.
E porque a ideia é terminar esta série de podcasts numa nota positiva e útil, não só para todos os adolescentes, mas também para as suas famílias, dedicaremos o próximo, quarto e último episódio do Adolescente Imigrante à discussão do tema da imigração de forma mais abrangente, entrevistando uma profissional da saúde mental especialista em acompanhamento de jovens adolescentes na Austrália.
Não perca o último episódio da série Adolescente Imigrante, que tal como todos os outros incluindo este, foram produzidos e apresentados por Carla Guedes, mas desta vez com o apoio editorial de Fernando Vives e o apoio técnico de Joel Supple e Caroline Gates.
Para acompanhar esta série de podcasts basta aceder à ou às nossas páginas de , e onde também tem acesso a todos . E já sabe: ouça a ao vivo, todas as quartas e domingos ao meio-dia, ou na hora que quiser, na