A nova série de podcasts da SBS em Português dá pelo nome de 'Adolescente Imigrante' e nasceu do desejo de criar a oportunidade de ouvir os jovens das comunidades brasileiras e portuguesa, numa conversa rara, aberta e franca, acerca dos prós e contras das suas experiências de imigração, da sua capacidade de superação e, acima de tudo, da sua saúde mental neste processo brutal de transição numa idade tão desafiante.
Cada episódio é uma parte muito específica da extensa e profunda entrevista com os nossos convidados especiais: os irmãos brasileiros, Gustavo e Luisa David, e a portuguesa, Sofia Cabral.
Neste primeiro episódio ouvimos as suas experiências muito pessoais de despedida dos seus países de origem e a semana da mudança para a Austrália.
O choque emocional e cultural e as estratégias de sobrevivência ao primeiro dia no sistema escolar australiano será o tema do episódio seguinte.
No terceiro episódio, iremos falar ainda sobre como foi que estes três jovens superaram as dificuldades pessoais dentro do contexto familiar, durante o processo de adaptação a este novo país.
O quarto e último episódio será dedicado à discussão da saúde mental de jovens no contexto da imigração, de forma mais abrangente, entrevistando uma psicóloga especialista em acompanhamento de jovens adolescentes na Austrália.
Começamos, então, por apresentar os nossos Adolescentes Imigrantes:

Sofia Cabral, a adolescente portuguesa que viveu toda a sua infância na Nova Zelândia.
Sofia Cabral nasceu na África do Sul, um pouco por acidente, já que é filha de pais portugueses que calhou estarem a viver nessa zona do mundo quando ela nasceu.
Na verdade, Sofia sente-se portuguesa de 'alma e coração', e se lhe pedirem que defina a sua identidade cultural, confessa que se sente portuguesa e neozelandesa já que viveu na Nova Zelândia dos 3 aos 14 anos de idade – altura em que, então, imigrou para Melbourne, Austrália, onde vive até hoje.
Embora numa outra fase da sua vida, agora já com 27 anos e já a iniciar a sua caminhada pós-universidade como advogada, Sofia continua a lembrar-se do dia em que chegou à Austrália como se fosse hoje.
Quando entrei no avião, senti muitas incertezas, medo, tristeza. Lembro-me de olhar pela janela do avião e pensar: o meu mundo está a desaparecerDiz Sofia Cabral, a adolescente portuguesa que chegou à Austrália aos 14 anos de idade.

Gustavo Lima, adolescente imigrante brasileiro que chorou muito na despedida dos seus amigos da escola de São Paulo. Credit: Source: Gustavo David
Gustavo David tem 19 anos, é brasileiro de São Paulo, chegou à Austrália com nove anos e hoje já é aluno universitário na Monash University na área de Ciências.
Embora tenha aprendido a gostar muito do país que os seus pais escolheram para a família viver e prosperar, Gustavo recorda a sua primeira semana em Melbourne como sendo um momento muito complicado da sua vida.
Ele e seu pai foram os primeiros da sua família nuclear a chegar a Melbourne.
Ficaram instalados na casa da avó de Gustavo que já vivia cá.
Na posição de ´homens da casa´, foram eles os dois que escolheram o subúrbio, a casa e até a mobília nova da família. Aos nove anos, nada disto foi fácil para Gustavo.
Chorei nas primeiras noites, dormindo no chão no mesmo quarto que o meu pai, no apartamento da minha avó. Foi tudo bem estranho na primeira semana. Eu não sabia como iria ser a minha vida, especialmente a minha nova escola.Confessa Gustavo David, o jovem brasileiro que chegou à Austrália com a missão importante de organizar a vinda da sua mãe e irmã com o seu pai.

Luisa David, adolescente imigrante brasileira que se considera uma 'cidadã do mundo' apesar da dolorosa adaptação à Austrália Credit: Source: Luísa David
Hoje, Luísa, é aluna de Relações Internacionais na Australian National University mas, recuando no tempo, diz que na altura em que chegou à Austrália, custou-lhe muito entender o porquê da decisão dos seus pais de abandonarem São Paulo.
Perguntou-se muitas vezes - “porquê Austrália?!”, confessando que sentia uma imensa tristeza, confusão e muita raiva também, por ter deixado para trás a sua vida no Brasil.
Hoje, Luísa sente-se, acima de tudo, uma “cidadã do mundo” porque adora viajar, viver novas experiências e aprender sobre novas culturas.
Mas mesmo assim, para ela, uma coisa é viajar, outra coisa muito diferente é mudar de casa, rotinas, escola e amigos, e criar raízes num país.
Eu não entendia o que é que tem de tão bom aqui para a gente se mudar de São Paulo para cá, para começar a nossa vida praticamente do zero. Foram muitos dias de angústia, tristeza, raiva e ansiedade para saber - o que vai acontecer no dia de amanhã?Explica Luísa David, que sofreu mais com a imigração do que ela poderia imaginar quando entrou no avião para Melbourne.
Sofia, Gustavo e Luísa são jovens muito diferentes, de nacionalidades e culturas distintas e, portanto, é normal que tenham reagido de forma particular à sua primeira semana na Austrália.
Contudo, e embora coincidentemente todos tenham aterrado na mesma cidade – Melbourne - o choque cultural impactou os três de forma igualmente forte.
Uma coisa estes três jovens têm em comum: todos se sentiram tristes, confusos, cheios de medo e até com raiva.
As primeiras impressões acerca da cidade de Melbourne foram diferentes para os três.
O tamanho da cidade e o clima foram coisas que deixaram Sofia, no mínimo, desarmada.
Achei tudo enorme... as ruas, as casas... tudo! E foi um choque perceber que, afinal, em Melbourne faz muito frio. Depois, cheguei numa altura de seca. Para mim que vinha de um país lindo e verde, como é a Nova Zelândia, foi difícil. Eu pensei: mas que deserto é este para onde eu vim?Recorda, a jovem portuguesa, Sofia Cabral.
Já para Luísa, a frieza emocional dos australianos – mais típica dos anglo-saxónicos do que dos latinos – foi algo que a desanimou e que a fez até passar por situações que chama de “vergonhosas”.
O povo brasileiro é muito mais fisicamente afetuoso quando comparado com o povo australiano. E eu estava tão habituada a esse afeto que isso levou-me a situações constrangedoras, até vergonhosas, nos nossos primeiros tempos aquiDiz Luísa David.
Ao Gustavo custou muito a distância dos amigos e da família alargada com quem cresceu de perto no Brasil.
Mas para ele o que "dói até hoje" é a nova dieta alimentar a que teve que se acostumar na Austrália.
Foi tudo meio esquisito. No Brasil, eu estava acostumado a acordar com café da manhã com pão francês, pão de queijo, fruta tropical... toda essa coisa deliciosa. E na Austrália, passei a acordar com Korn Flakes ou um copo de café. Isso dói até hoje.Diz Gustavo
Apesar do choque emocional, da perda dos amigos, ausência da família e desapego forçado da realidade confortável que deixaram para trás, Sofia, Luísa e Gustavo sobreviveram às suas primeiras semanas na Austrália.
Sofia começou a perceber e a valorizar a exposição a outras comunidades da Europa do Sul que viria a encontrar em Melbourne.
Com o tempo comecei a perceber que em Melbourne estava mais exposta a outras comunidades do sul da Europa, e as partilhas culturais próximas da cultura portuguesa ajudaram-me muito.Confessa a jovem portuguesa.
Já os irmãos Luísa e Gustavo encontraram muito conforto na sua nova comunidade judaica de Melbourne, que os recebeu de braços abertos e lhes deu a sensação de ´casa´ deste lado do mundo.
A comunidade judaica e a importância do judaísmo na nossa vida e na nossa família foi muito importante nesta fase de transição. Apesar de na comunidade de Melbourne sermos todos de países e culturas diferentes, temos algo em comum que nos acolhe, protege e ajudaDiz Luisa David que fez o seu Bat Mitzvah (ritual de passagem judaico), aos 12 anos, já em Melbourne.
Os nossos três adolescentes imigrantes abriram o seu coração e conversaram connosco sobre muitos outros assuntos - clique no play deste podcast para ouvir tudo.
A fase seguinte de transição foi o primeiro dia de escola, e é sobre as experiências de Sofia, Luísa e Gustavo no ensino australiano, que iremos falar no próximo episódio.
Não perca todos os episódios desta série 'Adolescente Imigrante', que serão publicados semanalmente, sempre à sexta-feira.
A série de podcasts da SBS em Português, Adolescente Imigrante, é produzida e apresentada por Carla Guedes, com apoio editorial de Luciana Fraguas e apoio técnico de Joel Supple e Caroline Gates.
Para acompanhar esta série de podcasts basta aceder à ou às nossas páginas de , e onde também tem acesso a todos .
E já sabe: ouça a ao vivo, todas as quartas e domingos ao meio-dia, ou na hora que quiser, na