Os brasileiros voluntários que ajudam na reconstrução após as queimadas

Os fazendeiros locais ficaram emocionados com a ajuda brasileira na região de Old Bar, Nova Gales do Sul.

Os fazendeiros locais ficaram emocionados com a ajuda brasileira na região de Old Bar, Nova Gales do Sul. Source: Fabricio Festugato/acervo pessoal

Mais de 120 pessoas passam fim de semana acampados na região de Old Bar (NSW) ajudando as vítimas dos incêndios a reconstruírem suas propriedades


As notícias sobre as queimadas na área rural de Nova Gales do Sul mexeram com o carpinteiro gaúcho Fabricio Festugato, que mora em Sydney.

Emocionado com o relato de amigos em Old Bar, no meio do estado, ele escreveu no Facebook que iria à região para, de alguma forma, ajudar. E que tinha três lugares sobrando em sua caminhonete.

Dias depois, Fabricio e ao menos outros 120 brasileiros partiram para a região das queimadas levandoois caminhões-baú em doações, ferramentas e muita disposição em trabalhar de graça em meio a uma tragédia.
A equipe de apoio brasileira e um fazendeiro local. Fabricio Festugato é o da direita, embaixo, com o chapéu de seu falecido pai.
A equipe de apoio brasileira e um fazendeiro local. Fabricio Festugato é o da direita, embaixo, com o chapéu de seu falecido pai. Source: Fabricio Festugato/acervo pessoal
O que Fabrício nos conta agora é a história de 120 pessoas, entre homens e mulheres, já cidadãos australianos ou residentes e estudantes, de todas as regiões brasileiras e de todas as matizes políticas que diariamente se digladiam nas redes sociais, mas que se juntaram para um bem maior.

O resultado: um fim de semana emocionante e intenso, entre 22 e 24 de novembro, e que adiantou dois meses de trabalho da BlazeAid, a organização não-governamental que atua no combate a desastre naturais.

Fabricio Festugato, na Austrália há 12 anos, já cidadão e residente em Phillip Bay, Sydney, e que é natural de Caxias do Sul, conta essa história.

"Acabei me envolvendo como voluntário no bushfire como voluntário depois que conversei com uns amigos que moram em Old Bar (Costa Central, NSW), que foi uma das áreas mais afetadas por essa tragédia. E depois de ver um vídeo no Facebook do apelo da comunidade mostrando casas queimadas, fazendas destruídas. Resolvi postar no Facebook um apelo, se alguém quisse me ajudar a reparar os danos. Eu não sabia o que faria exatamente lá, mas me prontifiquei, botei minha caminhonete à disposição, minhas ferramentas, e falei que tinha lugar pra mais três carpinteiros. O que aconteceu foi absolutamente fantático: mais de 200 pessoas entraram em contato, a querer participar, a querer organizar doações. Felizmente tive mais três pessoas que se juntaram a mim na organização disso. Fizemos um grupo no whatsapp, quem fez o cadastro foi a Ana Gabriela Laverdi, o Lucas Canabarro e o Derek Andrade puderam organizar a equipe já lá em Old Bar. Seria uma injustiça se começasse a citar mais nomes, muita gente ajudou, doou. A Vanusa Johns ficou mais de uma semana depois que fomos embora, ajudando o pessoal do BlazeAid, a entidade que nos recebeu lá. Pra quem não sabe, a BlazeAid é uma entidade não-governamental ajuda no reparo de desastres naturais há mais de 10 anos. O BlazeAid ficou sabendo por intermédio do Mick Campbell e da Crissy que eu estava disposto a levar um pessoal da comunidade brasileira, e se organizou uma coisa grande, um acampamento com banheiro químico, chuveiro. E a gente, do nosso lado, organizou vários pontos de coleta de doação espalhados por Sydney. A gente conseguiu encher dois caminhões-baú com doações. Fizemos um go funding e arrecadamos um dinheiro, vamos doar esse dinheiro a um local que se acidentou com uma motoserra e está sem trabalhar. Tendo isso organizado, a gente saiu na sexta-feira numa caravana e chegamos lá em 120 brasileiros, incluindo-se 3 ou 4 australianos que saíram da Central Coast para nos ajudar. Foi uma corrente positiva muito bacana, lindo de ver o altruísmo do pessoal querendo ajudar o próximo. Em dois dias a gente conseguiu ajudar o trabalho do BlazeAid em dois meses."

Cenário apocalíptico
O grupo de mulheres lideradas pela professora Flavia Teixeira, do TAFE: 400 metros de cerca instaladas em um só dia, mesmo sem experiência em cercas rurais.
O grupo de mulheres lideradas pela professora Flavia Teixeira, do TAFE: 400 metros de cerca instaladas em um só dia, mesmo sem experiência em cercas rurais. Source: Fabricio Festugato/acervo pessoal
O cenário dos incêndios é algo que Fabricio não vai esquecer tão cedo. E o apoio emocional dos brasileiros a uma das vítimas, que perdeu uma irmã nos incêndios, ajudou.

"Já o cenário da chegada foi impressionante, o apocalipse, parecia uma cabeça de fósforo queimada. Somente as casas estavam intactas porque o pessoal dos helicópteros salvaram as casas. Até o Mick Campbell, o cara que nos acolheu no acampamento original, falou que os helicóteros iam pegar água do lado da casa dele e jogavam em cima das casas. Mas teve casa que queimou, não deu pra salvar. Teve uma mulher que perdeu uma irmã, nossa equipe deu um apoio emocional muito bacana e continuam em contato com ela, viraram amigos dela. Teve um cara que quase perdeu a perna com a motosserra, a gente deu uma ajuda emocional e com grana. Os fazendeiros nos relatando cenas de horror, labaredas com mais de 100 metros de altura, helicóptero e bombeiro indo e voltando, morador fugindo de moto, de carro, pessoal recolhendo animais. Foi um pandemônio."

"O que foi emocionante também é a recepção dos fazendeiros, nos cozinharam, nos deram água, contaram o flagelo deles. Isso que foi mais emocionante pra mim. Teve um senhor que a gente ajudou, na hora de se despedir, encheu os olhos de lágrima, não sabia como agradecer. E mais que alívio, a gente trouxe alegria, porque o brasileiro é sensacional. A gente se xinga na comunidade "Brasileiros em Sydney" (Facebook), nos posts, mas na hora do bafafá a gente tá junto. Foi lindo demais, foi tudo emocionante. Foi emocionante o relato do pessoal do BlazeAid, o pessoal da comunidade que via a bandeira brasileira e acenava porque sabia que a gente estava lá para ajudar. Então, um calor humano da solidariedade no caos foi o que emocionou todo mundo. Ninguém se importou com o trabalho pesado, com a sujeira, com corte nas mãos. Todo mundo pegou firme e pesado. Muito, muito orgulhoso da brasileirada."

Ao chegar na região de Old Bar, ele não sabia muito o que esperar. Mas a organização do BlazeAid tornou tudo menos difícil.

ONG foi fundamental na região"
O acampamento: teve até arroz de carreteiro improvisado para os voluntários, moradores locais e os integrantes da ONG BlazeAid.
O acampamento: teve até arroz de carreteiro improvisado para os voluntários, moradores locais e os integrantes da ONG BlazeAid. Source: Fabricio Festugato/acervo pessoal
Até chegar lá, a gente não sabia exatamente o que iria fazer. Eu tava até um pouco com receio de chegar com uma multidão e não ter onde colocar o pessoal. O Mick Campbell e a Crissy já tomaram à frente com o pessoal do BlazeAid e botaram num quadro 17 propriedades rurais que precisavam de ajuda. O que o BlazeAid faz basicamente: estavam arrumando cercas, porque o fogo queimou todas as cercas ao redor e ficou um caos com as criações de gado, que não podia mais voltar para as fazendas. Entre a gente, nos organizamos em grupos de seis ou sete pessoas para ir para essas propriedades. Comprei até um megafone para poder falar com o pessoal, que foi de muito bom uso. Então no sábado de manhã a gente chegou no BlazeAid, o organizador fez reunião com todos nós, explicou o que tínhamos que fazer, disponibilizou ferramentas para arrumar cercas, motosserras (teve muita árvore que caiu em cima de cerca). Nos separmos em carros e 8 horas da manhã já estava todo mundo locado nas propriedades, os fazendeiros interagindo com a gente, adorando a nossa presença, trabalhando junto. Particularmente fiquei impressionado com um dos fazendeiros que nos acolheu, um senhor de 70 anos subindo e descendo pirambeira com motosserra, pegando madeira, e a gente junto com o cara. Nos dois dias que o ajudamos, a gente resolveu o problema da propriedade dele. A gente botou mais de um quilômetro de cerca, tirar três ou quatro árvores gigantes que estavam em cima. E teve outro pessoal que foi para outra propriedade que teve quer ser limpada, teve casa queimada, teve equipe que tirou mais de 200 carrinhos de mão de escombros. A equipe da Flávia Teixeira, que é professora do TAFE de carpintaria, foi só de meninas numa propriedade e os caras ficaram impressionados com o trabalho delas, que num dia botaram 400 metros de cerca sem nunca ter visto como se coloca uma cerca. Aliás, ninguém da gente nunca colocou uma cerca rural. Entre toda nossa equipe tinha muita gente que trabalha em obra, mas especificamente cerca rural ninguém nunca tinha colocado. Eu tinha uma ideia que iríamos chegar lá e pedir pro BlazeAid se eles tinham aquelas ferramentas pra botar poste no chão, manual, mas os fazendeiros já têm essas ferramentas motorizadas. E adiantou muito o trabalho. Foi fantástico, trabalhamos até o entardecer, voltamos para o acampamento-base do BlazeAid, e lá fizemos um jantar para os fazendeiros, o BlazeAid e toda nossa equipe. Tive que me virar nos 30 na cozinha. O Canabarro e a equipe dele se virou na chapa, fizemos carreteiro e bife na chapa para todo mundo, todo mundo comeu legal, e no dia seguinte todo mundo pronto pra batalha."

Arroz de carreteiro improvisado

O carreteiro foi improvisado, já que havia a proibição de fogo e, consequentemente, churrasco. Porém, a solidariedade de brasileiros que doaram a carne fez tudo ficar ainda melhor.

"Na verdade foi mais um risoto, já que há proibição total de fogo e o carreteiro se faz de carne de churrasco. A gente teve doação de carne da Butchery A&S, em Mascott (Suydney), açougueiros brasileiros. Nos deram um monte de presunto pra gente fazer durante o dia, no café da manhã. A gente comprou também entre o grupo um monte de carne, mais de 150 pessoas pra comer. Bife na chapa, risotão, pão. Todo mundo comeu amarradão."

Orgulho brasileiro

Fabrício ressalta como a mensagem de altruísmo que a ação voluntária mostrou. E que é importante acreditar no brasileiro.

"A grande mensagem que a gente tá passando com isso tudo aí, além de mostrar que o estrangeiro é solidário, porque além da gente, a comunidade muçulmana e italiana mandaram dinheiro pro BlazeAid, a grande mensagem é que não existe bandeira, fronteira, o ser humano é solidário quando precisa ser, e aquele dinheirinho que você iria fazer diferença na tua vida. Tu vais ter muito mais retorno e um bom carma para ajudar o próximo genuinamente do que ficar contando vinténs."

"Quanto aos brasileiros, o que eu tenho pra dizer é nada mais do que eu já sabia, a gente é um povo solidário. A grande maioria das pessoas que foram não é cidadão ou residente, está no visto de estudante ou turista, mas está aqui para somar. Se desprenderam daqueles vinténs que fariam no fim de semana, gastaram do próprio bolso com combustível, saíram pra comer alguma coisinha, e não se importaram com isso. Todo mundo nesse fim de semana, acho que foi uma brecha, uma luz divina que abriu sobre nossa comunidade, as pessoas que se envolveram com a gente, e mostraram o valor do ser humano numa situação de caos, do altruísmo. Eu sou muito orgulhoso de falar essa palavra, altruísmo, que foi o principal legado que meu pai me passou, sabe? Meu pai já morreu, ano passado de Alzheimer, e eu estava com o chapéu dele nessa missão. Eu uso muito o chapéu dele, temos uma conexão muito grande pelo chapéu, e ele me ensinou isso, ensinar sem receber, ele ajudou muita gente na vida dele. E eu já fiz muito isso também, ajudei muitos brasileiros, dei trabalho para centenas de brasileiros, fiz centenas de amizades fora do trabalho, e to sempre metido com isso, cara. Eu gosto de ajudar o próximo."

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