O grande prémio de romance da Associação Portuguesa de Escritores distingue Lidia Jorge

Portuguese Novelist Lidia Jorge At "Writers at Belem Palace" Program

A escritora portuguesa Lidia Jorge, em foto de 2018. Credit: Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images

Escritora leva o prémio pela segunda vez, agora com 'Os Memoráveis', romance a lembrar que a democracia é também a batalha contra a banalidade do quotidiano.


'Os Memoráveis' é o título de um romance que tem amargura, mas paradoxalmente também otimismo. Há nele uma semente de esperança – aquela que vem do momento puro em que os portugueses se juntaram aos capitães do MFA para conquistar e celebrar a democracia – ainda que logo depois tenha começado a revelar-se com crescimento imperfeito

Há várias opiniões respeitadas que classificam 'Os Memoráveis' como obra-prima na literatura portuguesa do nosso tempo. Apareceu nas livrarias faz uma década. No próximo ano, 2024, aquele em que celebramos meio século sobre a revolução do 25 de abril de 1974. A escritora, Lídia Jorge, já contou várias vezes que prefere que este livro, 'Os Memoráveis', não apareça enquadrado em efemérides – mas a verdade é que o enredo do romance nos remete para essa memória do 25 de abril de 74 – e sobre como vivemos o tempo que nos traz ao agora – que no romance é há 10 anos – mas também poderia certamente ser hoje.

'Os Memoráveis' tem como narradora Ana Maria Machado. É, na história, uma jovem jornalista portuguesa que trabalha na televisão americana CBS, em Washington. Esteve em reportagem em lugares de guerra.

Um dia, em 2004 (30 anos depois do 25 de abril), é-lhe feito um desafio: regressar a Portugal e construir um documentário revisitando a Revolução dos Cravos por um ângulo inspirador.

A reportagem avança – a repórter protagonista do romance entrevista em Portugal personagens que representam (com nome de ficção) protagonistas que fizeram Portugal libertar-se ao terem a coragem de ousar o golpe militar que abriu a revolução democrática.

No desenvolvimento deste 'Os Memoráveis' temos esses protagonistas contados em modo que é literário, escrita de romance, não se trata de relato jornalístico – mas claro que reconhecemos um Otelo – memoráveis porque o que conseguiram é memorável - a literatura de Lidia Jorge também encontramos o lado imperfeito dos que apareceram heróis - o leva-nos para um exercício de memória.

Temos o confronto entre o disfuncionamento de uma nação na periferia da Europa que em momentos tem gente que ousa sonhar – procurar o ideal – alterar o destino, mas que na rotina é vulgar. Falha de aspiração cai na modorra, há quem se perca em egoísmos e futilidades.

'Os Memoráveis' é um livro–retrato de tempo da democracia portuguesa – um livro a que apetece regressar para releituras.

Leva-nos a temas que estão sempre no foco do pensamento literário de Lidia Jorge. O colonialismo, a guerra o estado novo o 25 de abril.

E uma história que Lidia Jorge começou a contar-nos em literatura com o romance inicial – o dia dos prodígios que nos leva em modo que evoca o realismo mágico ao espanto em uma isolada aldeia rural do sul, dada ao sobrenatural e onde aparecem os soldados da revolução com cravos na ponta do canhão – os soldados que anunciam ao povo da aldeia que o passado acabou, houve o prodigioso dia da festa da revolução.

Seguiram-se o cais das merendas, a notícia da cidade silvestre – a costa dos murmúrios, visão feminina da guerra colonial – por onde passam vivências de Lidia Jorge – a escritora que em 2002 nos trouxe o vento assobiando nas gruas com uma milene que nos coloca perante o confronto entre pessoas de diferentes origens.

Romance premiado com o grande prémio da APE, que agora bisa na escolha de Lidia Jorge, desta vez com o romance 'Misericórdia'.

Temos para ler, ao todo, 13 romances de Lidia Jorge, também literatura infantil e contos e ensaio e teatro e poesia, também constante intervenção cívica.

A democracia é batalhar contra a banalidade do quotidiano. Lídia Jorge também avisa que se perdêssemos o valor dos livros, perderíamos o rosto da nossa humanidade.

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