A cientista portuguesa que estuda como obter valor de águas residuais e esgotos em Queensland

A portuguesa Elsa Antunes, da James Cook University.

A portuguesa Elsa Antunes, da James Cook University. Source: Supplied

Cada cidade produz um tipo de esgoto diferente, e a Dra. Elsa Antunes, da Universidade James Cook, investiga soluções ambientalmente adequadas caso a caso


Como usar a água e o esgoto e a água residual das casas para ajudar o meio ambiente? É o conceito da economia circular que está sendo investigado pela cientista portuguesa, Dra. Elsa Antunes. Ela está em Queensland, na Universidade James Cook, pesquisando um sistema para aproveitar comercialmente estes resídulos.

A Dr. Elsa Antunes recebeu a bolsa Advance Queensland COVID-19 Industry Research Fellowship, anunciada na Semana Nacional da Ciência da Austrália de 2020.

 É com ela que conversamos agora. 

SBS. A senhora poderia explicar como poderíamos usar a água que sai da casa usada em benefício do meio ambiente?

Elsa Antunes. Sim. Toda a água que produzimos nas nossas casas vai para o esgoto e essa água vai ser lançada no que chamamos de uma estação de tratamento de águas residuais urbanas. No fim deste tratamento, e este tratamento tem vários estágios, inclusive a desinfeção... porque pensamos nas águas que saem das nossas casas, pensamos na água da casa de banho, na água que sai da cozinha, e portanto temos que desinfetar estas águas. No final deste processo, basicamente temos a água limpa, que libertamos depois num ecossistema natural, e depois as lamas residuais, que não são exactamente lamas, que há 50 anos atrás, 100 anos atrás, usávamos na agricultura como fertilizante.

SBS. Podemos lembrar que nestes resíduos temos o que sai da casa de banho, os banheiros, que são urina a fezes. 

Elsa Antunes. Exactamente. Há cerca de alguns anos atrás, nós podíamos usar as lamas residuais como fertilizantes, têm fósforo, têm magnésio, que são importantíssimos para o crescimento das plantas. Mas hoje em dia estamos a questionar de facto esta utilização. E a razão é a seguinte: há muitos anos, o nível contaminante que nós tínhamos nestas lamas finais era muito menor. Hoje em dia, devido a todos os produtos que nós utilizamos nas nossas casas, os cosméticos, os antibióticos, tudo isso vai ser libertado na nossa casa de banho. E estes resíduos vão ficar, portanto, nas lamas. E quando nós queremos utilizar estas lamas na agricultura, temos estes grandes problemas, que é qual será o impacto destes contaminantes na agricultura. 

SBS. Que interessante. Eu estava também lendo que um grande problema é a pílula que as mulheres tomam, o anticoncepcional, que são hormônios também encontrados nos rios, nesse sistema de água que saem das casas e que são um problema.

Elsa Antunes. Exactamente. Um outro problema que no futuro pode nos levar a uma pandemia é a libertação de antibióticos nessas lamas depois na agricultura. As bactérias estão em contacto com os antibióticos que libertamos, elas tornam-se mais resistentes e vamos chegar a um ponto que estas bactérias vão estar resistentes a todos os tipos de antibióticos. E portanto nós temos um problema de saúde porque não teremos antibióticos para controlar uma pandemia. 

SBS. E essas bactérias que estão nas águas residuais sobrevivem mesmo sendo processadas, até serem utilizadas na agricultura?

Elsa Antunes. Exacto. E também nas lamas. Estamos a falar sobretudo nas lamas. Onde fica grande parte dos resíduos é nas lamas. 

SBS. É o que sai do nosso corpo.

Elsa Antunes. Exactamente. Nas fezes. 

SBS. Não chega a dar uma tristeza por saber que tudo no nosso planeta está interconectado e parece que não tem saída? Qual a saída que a senhora está encontrando? É possível tirar todos estes contaminantes?

Elsa Antunes. É possível. Eu penso que temos que não só nos focar no tratamento, mas também temos que nos preocupar em utilizar muito bem os produtos em nossa vida. Temos que utilizar os nossos produtos basicamente até o limite da vida. Eu vou dar um exemplo que é muito comum que é o telemóvel. Nós compramos um telemóvel novo porque é uma nova tecnologia muito antes do telemóvel atingir o fim de vida. Acontece que todos esses produtos são lixo e temos que lidar com esse lixo. Portanto, a utilização de todos os produtos que compramos tem que ser uma utilização considerando no meio ambiente. Por acaso eu tento utilizar todos os produtos até mesmo ao limite. Por outro lado, temos que focar no meio ambiente e pensar em converter todos estes produtos, e também o que acontece nas lamas das estações de tratamento... o que nós queremos é, apesar de ser um lixo, um problema ambiental, é transformar este lixo em produtos com valor acrescentável e que poderão ser utilizados sem problemas ambientais. 

SBS. Eu vi que a senhora recebeu uma bolsa de verbas de pesquisa como parte da semana nacional de ciência, justamente dentro de estudos do COVID-19, justamente sobre a economia circular, de aproveitar o que sobra de um lado para benefício do outro. Esse projeto já existe em Queensland. O que pode ser aplicado na prática?

Elsa Antunes. O que nós encontramos nas estações de tratamentos de águas residuais depende muito da população. Se nós pensarmos aqui na Austrália, há valores típicos para o que encontramos. 

SBS. Então a composição química encontrada no esgoto em Sydney seria diferente do que é encontrada em Townsville?

Elsa Antunes. Exactamente. Depende dos nossos hábitos alimentares e da indústria que existe a nossa volta. A composição química e biológica depende muito do que está a nossa volta. 

SBS. Então a utilização de esgotos em pequenas cidades seria mais fácil que nas grandes cidades?

Elsa Antunes. Pode ser feita em qualquer cidade. O que temos que pensar, e nós temos cinco diferentes instituições ligadas ao nosso projeto, temos que avaliar qual é a composição química e biológica nessas cidades, qual é o tratamento que estão a fazer, e depois, nosso projeto, é dar uma função adequada a cada cidade. Esta solução adequada a cada cidade possivelmente vai seguir em frente para todas as cidades.

SBS. Já há experiências ao redor do mundo em utilizar os resíduos dos esgotos?

Elsa Antunes. Existe muita pesquisa nessa área, mas em termos industriais, não. O caso de Logan, em Queensland, é a primeira experiência em nível de uma escala intermédia entre a escala laboratorial e industrial que está acontecendo em nível mundial. 

SBS. E Logan é o único projeto na Austrália no mundo.

Elsa Antunes. É única na Austrália, e basicamente naquela escala que estão a fazer, é única no mundo.

SBS. Quais seria os conselhos que daria para as pessoas fazerem em casa?

Elsa Antunes. Minimizar os produtos que utilizamos em casa. Inclusive, quando estamos a lavar nossa roupa, minimizar a quantidade de detergente que utilizamos. E depois também tentar estender a vida dos produtos que compramos, que seja uma caixinha de plástico. E quando vamos ao supermercado, passar a ler as etiquetas dos produtos. Produtos com fósforo não queremos utilizar, por exemplo. Há detergentes para lavar a louça que não tem fósforo, não queremos estes produtos. Há uma série de produtos que queremos evitar, inclusive os cosméticos, agora alguns começam a estar disponíveis no mercado produtos mais amigos do ambiente. Em termos da medicação que tomamos, tentar minimizar. Sei que estamos a pensar em uma tragédia e algumas pessoas estão a tomar antidepressivos, qual será o impacto dos antidepressivos nas águas residuais? E adotarmos um estilo de vida saudável.

SBS. Quais são os piores agentes, os produtos dentro dos cosméticos que são danosos ao meio ambiente?

Elsa Antunes. Há muitos. Estamos a falar dos protetores solares que temos óxido de zinco, que são nanopartículas, em muitos dos casos, e dióxido de titânio, todos estes produtos vão acabar na estação de tratamento de águas residuais.

SBS. Mas o protetor solar é difícil num país onde um em três pessoas vão ter câncer de pele... Como minimizamos o uso de protetor solar?

Elsa Antunes. Temos que olhar para a embalagem e pensar quais são os produtos, e parte do consumidor fazer pesquisa na internet e verificar quais são os produtos mais amigos do ambiente. Penso que qualquer pessoa poderá fazer isso e existem websites que podem identificar estes produtos.

SBS. E existem protetores solares que não tem o óxido de zinco?

Elsa Antunes. Sim, e alguns onde a quantidade é muito menor. 

SBS. E para encerrar, gostaríamos de ouvir como chegou até a Universidade James Cook em Queensland? 

Elsa Antunes. Eu estudei Química em Coimbra, e depois da minha licenciatura em Engenharia Química eu trabalhei 10 anos em uma empresa privada, e depois eu e meu marido viemos a Austrália em uma viagem, e basicamente adoramos a Austrália. E portanto surgiu uma oportunidade e viemos para a Austrália.

SBS. A Senhora foi direto para a Universidade James Cook?

Elsa Antunes. meu marido tem um contrato em Townsville e para mim faria todo sentido trabalhar na James Cook. Meu marido é da engenharia eletrotécnica. 

SBS. A senhora fez o doutorado, não é?

Elsa Antunes. Sim, o doutoramento na Universidade James Cook e depois o pós-doutoramento fiquei a dar aulas e continuar a investigação. Sete anos de Austrália.

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