Resumo da notícia:
- Como Michele se capacitou para ajudar trabalhadores imigrantes
- Que tipo de ajuda ela oferece
- Informações e contatos pelas redes sociais
- Direitos trabalhistas no Brasil x na Austrália
- Direitos do trabalhador na Austrália
- Onde buscar auxílio
- TFN x ABN
- Direitos do trabalhador durante a pandemia
Pesquisa realizada pelos Sindicatos de Nova Gales do Sul, Unions NSW, em 2020, que ouviu mais de 5 mil estrangeiros com vistos temporários, constatou que 67% estavam no visto de estudos e 50% eram trabalhadores ocasionais.Uma pesquisa anterior, de 2019, do Migrant Worker Justice Initiative, MWJI, realizada com 5 mil estudantes internacionais, apontou que 49% recebiam menos que o salário mínimo australiano e 31% eram pagos em dinheiro e não recebiam holerite.
Pesquisa realizada pelo Unions NSW com portadores de vistos temporários na Austrália, constatou que 67% dos entrevistados estavam no visto de estudos. Source: Unions NSW
Dentre os participantes da pesquisa que passaram por um problema no trabalho e não tentaram resolver, 34% não sabiam onde procurar ajuda, e 11% achavam que não tinham o inglês bom o suficiente pra buscar ajuda.
O que muitos estrangeiros que estão na Austrália ainda não sabem, é que qualquer pessoa que tenha permissão de trabalhar no país, seja cidadão, residente permanente ou aqueles com visto temporário, tem os mesmos direitos trabalhistas.
Para auxiliar imigrantes que não sabem dos seus direitos ou a que órgãos recorrer caso se sintam lesados, o Serviço de Apoio Jurídico a Empregados Imigrantes de New South Wales, Migrant Employment Legal Service (MELS), desenvolveu o programa ‘Train the Trainer’, de capacitação de agentes comunitários que integram as comunidades de imigrantes no estado.
Essas pessoas estão levando informação e orientação às comunidades de imigrantes em Nova Gales do Sul através de aconselhamento, representação jurídica e educação comunitária. O objetivo é enfrentar a exploração de trabalhadores imigrantes.
Uma dessas agentes comunitárias é a advogada brasileira Michele Savicki, que mora em Sydney há dois anos e participou do treinamento.Vontade de aprender e ajudar
Michele com o grupo de pessoas de várias nacionalidades integrantes do programa de capacitação 'Train the trainer' do Migrant Employment Legal Service de NSW. Source: Supplied
Segundo Michele, o que a levou a fazer o treinamento foi o fato de que ela atuava como advogada trabalhista no Brasil, e considera muito importante fornecer informações adequadas sobre os direitos que os trabalhadores tem e como buscá-los, pois isso pode fazer muita diferença na vida dos empregados.
Além disso, chegando na Austrália ela constatou que muitos imigrantes não conheciam seus direitos trabalhistas. Em grupos de Facebook ela percebeu que dúvidas básicas relacionadas ao tema são frequentes, e teve acesso a depoimentos de pessoas relatando problemas no trabalho, inclusive com relação a aspectos básicos como o recebimento do salário.
Michele então teve vontade de ajudar essas pessoas de alguma forma, mas como não tinha conhecimento sobre as leis trabalhistas na Austrália, viu nesse curso a oportunidade que faltava para primeiro aprender e depois levar as informações relevantes aos trabalhadores imigrantes que falam português em Nova Gales do Sul.
Conteúdo do treinamento
O programa ‘Train the trainer’ foi realizado pela Migrant Employment Legal Service (MELS) de Nova Gales do Sul.
O treinamento durou oito semanas com um dia inteiro de curso semanalmente, e capacitou 16 pessoas de diferentes nacionalidades para atuarem nas suas comunidades de imigrantes. Para Michele, o fato de o grupo ser formado por pessoas de diversas origens e culturas já foi por si só muito enriquecedor.
E além disso ela aprendeu sobre direitos básicos dos trabalhadores em Nova Gales do Sul e na Austrália, e sobre órgãos que podem auxiliar os imigrantes com relação às causas trabalhistas, para assim divulgar essas informações e oferecer ajuda à comunidade de pessoas que falam português (e até mesmo espanhol) em NSW e todo o país.
Tipo de ajuda
Apesar de não estar capacitada a prestar aconselhamento jurídico, por não ser advogada formada na Austrália, a partir da conclusão do treinamento, Michele está apta a indicar órgãos e serviços gratuitos disponíveis aos trabalhadores imigrantes para ajudá-los a tirar dúvidas sobre situações específicas e buscar seus direitos na justiça, caso precisem.
Michele também pode ajudar no agendamento desses serviços, caso o trabalhador não tenha segurança para fazer por conta própria, pela barreira da língua, e até mesmo acompanhar esse trabalhador em um atendimento se a pessoa se sentir insegura para ir sozinha e explicar em inglês a situação pela qual está passando.
Redes Sociais
Para compartilhar com o máximo de pessoas as informações atualizadas e oficiais sobre direitos trabalhistas na Austrália através de uma linguagem simples e acessível, Michele criou um perfil no Facebook e outro no Instagram chamado ‘Canguru Trabalhista’.
Através desses perfis nas redes sociais, Michele também está à disposição dos trabalhadores imigrantes na Austrália que falam português para tirar dúvidas e ajudar no que for preciso.
Ela também está organizando workshops e eventos online, enquanto o lockdown em Sydney não permite encontros presenciais, para divulgar os direitos dos trabalhadores na Austrália.
Direitos trabalhistas no Brasil e na Austrália
Perguntada sobre as diferenças dos direitos trabalhistas no Brasil e na Austrália, já que ela atuava como advogada trabalhista no Brasil, Michele diz que na verdade vê muitas similaridades, apesar de muita gente achar que a Austrália oferece menos direitos aos seus trabalhadores.
“Nos dois países existem os direitos básicos do trabalhador, como por exemplo o salário mínimo e o tempo máximo de trabalho, que na Austrália é de 38 horas semanais, inferior ao do Brasil, o que é uma vantagem,” destaca Michele.
Ela também destaca as férias anuais, direitos específicos para cada categoria e acordos próprios de cada empresa, que também existem nos dois países.
Principais direitos do trabalhador na Austrália
Michele sugere que qualquer pessoa que trabalhe na Austrália se atente a alguns direitos fundamentais para todos os empregados no país, como o salário mínimo, que teve reajuste no último dia 1º de julho, e hoje é de A$20.33/hora. Já quem é contratado como casual (ocasional), deve receber no mínimo A$25.41/hora.
Ela também destaca a importância de o trabalhador ter conhecimento do que diz a convenção coletiva de trabalho da sua categoria (award) e o acordo trabalhista da empresa onde está empregado (enterprise agreement) para saber quais são seus direitos específicos.
E há que se atentar também aos prazos que o trabalhador tem para buscar ajuda. Em casos de salário abaixo do que é estipulado por lei, não-recebimento de horas extras ou de algum outro pagamento ao qual teria direito, o empregado tem até seis anos para buscar a regularização dessa situação.
Já em casos de demissão injusta, seja porque o trabalhador não foi advertido de algo que fez errado ou aquém do que o empregador esperava, seja porque reclamou de algum direito que não estava recebendo, ou algo nesse sentido, nesse caso o trabalhador que se sente lesado e demitido injustamente, tem apenas 21 dias para levar o caso à justiça. “Essa é uma informação que muita gente não tem e o prazo é muito curto. Por isso é importante saber e imediatamente buscar auxílio,” conclui Michele.
Onde buscar auxílio
Segundo Michele, são muitos os órgãos que oferecem serviços gratuitos de aconselhamento e representação jurídica aos trabalhadores na Austrália, mas em Nova Gales do Sul ela aconselha que os imigrantes procurem o Migrant Employment Legal Service (MELS) através ou pelo telefone 02 8002 1203.
Para quem está fora de NSW, em outros estados da Austrália, basta procurar o Community Legal Centre ou Community Legal Service da sua região.
TFN x ABN
Um aspecto importante para o qual Michele chama a atenção é que grande parte dos direitos trabalhistas em vigor na Austrália só se aplicam às pessoas contratados pelo TFN, Tax File Number, que são empregados e tem os impostos recolhidos na hora de receber seus salários, além também do direito ao Superannuation (previdência) pago pela empresa em que trabalha.
Aqueles que trabalham pelo ABN, o Australian Business Number, não são empregados das empresas para as quais prestam serviço, e por isso não tem diretos básicos como salário mínimo, férias anuais, entre outros.
Sobre isso, o que Michele acha mais importante destacar é que o trabalhador deve avaliar sua relação de trabalho com a empresa para saber o regime adotado está correto, e exemplifica: “Quem trabalha utilizando o próprio equipamento e tem liberdade para fazer o trabalho da forma como achar melhor, pode trabalhar pelo ABN. Já aqueles que por exemplo usam equipamento e/ou uniforme da empresa e tem um supervisor que orienta sobre como o trabalho deve ser feito, devem trabalhar pelo TFN e ter acesso a todos os direitos básicos de um empregado.”
Pandemia
Sobre a situação atípica em que vivemos, do fechamento de algumas empresas e diminuição do quadro de funcionários de outras por causa da pandemia, Michele diz que quando um negócio fecha porque não teve condições de se manter devido às medidas de confinamento e restrições de entrada no país, nesse caso, se o trabalhador é demitido, não há muito o que fazer, pois a empresa está encerrando suas operações.
Já se o fechamento de um negócio for temporário ou a empresa não precisar por um período de funcionários que desenvolvem algumas funções específicas, é possível ao empregado contratado em regime de meio período ou período integral pedir férias remuneradas, ou ainda negociar com o empregador um remanejamento de função durante o tempo que for preciso.
E além dos direitos trabalhistas, o governo federal passou a oferecer em 2021 dois auxílios financeiros para trabalhadores que tiveram seus empregos afetados pela pandemia. Um deles é o COVID-19 Disaster Payment, para trabalhadores que perderam horas de trabalho por causa de medidas de confinamento adotas pelos governos estaduais. O outro é o Pandemic Leave Disaster Payment, para quem ficou sem trabalhar porque teve que se isolar, por ter testado positive para COVID-19 ou ser um contato próximo de alguém que testou positive, ou ainda para aqueles que tem que cuidar de crianças e adolescents de até 16 anos que estejam infectados ou sejam contatos próximos.
Busque ajuda, busque seus direitos
Michele incentiva que os trabalhadores imigrantes busquem auxílio e busquem seus direitos, que são os mesmos para cidadãos, residentes permanentes ou para quem está sob um visto temporário no país.
Na opinião dela, é importante ter acesso a informações de qualidade e não ter receio com relação ao idioma, já que o próprio governo oferece serviços de tradução para quem tem dificuldades com a língua.
E para quem ainda assim se sente inseguro para buscar ajuda por conta própria, junto aos órgãos responsáveis, Michele deixa um recado: “Acompanhe os perfis do Canguru Trabalhista e e entre em contato comigo que eu vou te auxiliar da melhor forma possível.”