Partidos criticados por demora em propor ações de combate à violência doméstica

Domestic Violence. African American Man Threatening Wife And Daughter With His Fist

Investimentos anunciados por partidos no combate à violência doméstica na Austrália são criticados por ativistas e vítimas. Source: iStockphoto / Prostock-Studio/Getty Images

A Coalizão anunciou um investimento de A$ 90 milhões para combater a violência doméstica e familiar, após o compromisso de A$8,6 milhões anunciado pelo Partido Trabalhista no início da semana. Há um apoio bipartidário ao Plano Nacional para Acabar com a Violência contra Mulheres e Crianças, de A$4 bilhões, lançado em 2022 pelo governo trabalhista. Mas ativistas e pessoas que sofreram violência doméstica estão decepcionados com o que consideram ser uma atenção mínima dos políticos ao tema durante essa campanha eleitoral.


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A Coalizão se juntou ao Partido Trabalhista para anunciar seu pacote contra a violência doméstica e familiar, enquanto militantes e pessoas que trabalham na área expressam frustração com a pouca atenção dada ao tema durante a campanha eleitoral, apesar do fato de 23 mulheres australianas terem sido mortas até agora neste ano, de acordo com o Femicide Watch, um relatório nacional sobre o número de mulheres australianas mortas no país e no exterior, administrado pela jornalista e ativista Sherelle Moody.

O anúncio de A$90 milhões da Coalizão inclui a implementação de um Registro Nacional de Violência Doméstica, para garantir que a polícia e as agências relevantes possam compartilhar informações sobre agressores violentos, além de tornar crime o uso de celulares e redes de computadores para fazer com que um parceiro íntimo ou membro da família tema por sua segurança.

A Coalizão também se comprometeu a criar uma Royal Commission, comissão de inquérito instaurada pelo governo, sobre abuso sexual em comunidades indígenas. A vice-líder da oposição, Sussan Ley, afirma que o investimento se baseia no compromisso de A$3,5 bilhões da Coalizão com a violência familiar e doméstica durante o seu governo.

"Um investimento realmente importante, porque o flagelo da violência familiar atinge todos os cantos deste país e todos os segmentos da sociedade australiana. E cada vez que nos comprometemos com novos financiamentos, como fizemos hoje, reafirmamos que basta".

A notícia foi divulgada quase que ao mesmo tempo em que a Ministra da Mulher do Partido Trabalhista, Katy Gallagher, anunciou, na terça-feira, o compromisso de seu partido de investir A$ 8,6 milhões para combater a violência doméstica e familiar, caso o governo trabalhista seja reeleito, com foco em abuso financeiro e prevenção da violência.

Já existe o apoio bipartidário ao Plano Nacional para Acabar com a Violência contra Mulheres e Crianças, de A$4 bilhões, do Partido Trabalhista, lançado em outubro de 2022.

Katy Gallagher promoveu a política trabalhista em um discurso em Melbourne, referindo-se ao trabalho realizado pelo partido até o momento e reconhecendo a necessidade de novas ações.

"Há muitas mulheres que convivem com a violência e, para elas, a mudança não está acontecendo com a rapidez necessária. Os níveis de violência permanecem altos e, no caso da violência sexual, parecem aumentar. É muito frequente vermos uma nova manchete assustadora, relatando a morte de outra mulher, muitas vezes nas mãos de um atual ou ex-parceiro. Estamos enfrentando novos desafios, principalmente ao lidarmos com a forma como nossos jovens, especialmente os meninos, acessam conteúdo online".

O Partido Trabalhista afirma que abordará o abuso de sistemas, incluindo a prevenção de que os os que cometem violência usem os sistemas tributário e corporativo para criar dívidas como forma de controle coercitivo, responsabilizando os abusadores por essas dívidas, e afirma que buscará garantir que eles não recebam a aposentadoria de suas vítimas após a morte.

Os trabalhistas também querem responsabilizar queles que comemtem violência por dívidas previdenciárias contraídas pelas vítimas devido à coerção ou abuso financeiro.

Se reeleito, o Partido Trabalhista investirá A$8,6 milhões em respostas inovadoras a abusadores, incluindo monitoramento eletrônico e tornozeleiras eletrônicas para agressores de alto risco, bem como programas intensivos de mudança de comportamento e intervenções precoces para jovens.

Para aqueles que trabalham na área preventiva, o foco do Partido Trabalhista na intervenção precoce é bem recebido. O diretor executivo da No To Violence, Phillip Ripper, afirma que essas medidas são importantes para abordar a raiz da causa dos comportamentos violentos entre homens e meninos.

"Precisamos interromper os caminhos para o uso da violência. Precisamos trabalhar com os homens para acabar com o uso da violência uma vez que ele esteja estabelecido. Precisamos investir mais em pesquisa e fazer mais com crianças, jovens e meninos para romper os ciclos geracionais de violência. Todas essas ações precisam ser feitas, e precisam ser feitas com as pessoas que usam a violência no centro desta estratégia".

Isso envolve respostas inovadoras para trabalhar com homens em diferentes estágios de sua jornada.

"Sabemos que tudo começa com a identificação da necessidade ou do desejo de mudança. É por isso que dizemos aos homens: você pode estar em qualquer ponto da jornada da vida. Temos pessoas na faixa dos 70 e 80 anos ligando para o nosso serviço de encaminhamento masculino porque querem mudança. Nunca é uma hora errada de dar os passos certos para melhorar para você e sua família. Por isso, dizemos: pegue o telefone, ligue para o serviço de encaminhamento masculino e comece sua jornada de mudança".

Tara Hunter, Diretora de Serviços Clínicos e ao Cliente da Full Stop Australia, acolhe com satisfação o plano do Partido Trabalhista para abordar o abuso financeiro e a prevenção da violência, mas aponta para a falta de financiamento sustentado para serviços de linha de frente.

"Na verdade, eles precisam de uma porta de entrada para serviços que possam fornecer informações sobre abuso financeiro e onde podem buscar apoio. Portanto, o que precisamos não é apenas dessa abordagem fragmentada".

Tara Hunter também apoia o investimento da Coalizão em serviços de linha de frente, destacando seu plano de expandir acomodações emergenciais e pagamentos para pessoas que fogem da violência doméstica.

Mas ela diz estar preocupada com a Comissão Real sobre Abuso Sexual Infantil Aborígene, apelando ao governo eleito para garantir que quaisquer intervenções ou iniciativas sejam lideradas por povos das Primeiras Nações.

"Eles têm as suas próprias soluções, e nós realmente precisamos, se quisermos fazer alguma mudança nas taxas de violência contra as mulheres e crianças aborígenes, então precisamos realmente deles na mesa, liderando as iniciativas".

Os ativistas também dizem que o investimento de ambos os partidos é inadequado para lidar com a escala do problema, como descreve Phillip Ripper.

"A$90 milhões são uma gota no oceano quando consideramos a gravidade da crise que assola o país neste momento. Este é um problema de longo prazo. Precisa de atenção séria, e a Coalizão não conseguiu cobri-la no anúncio de hoje. O compromisso trabalhista é, mais uma vez, lamentavelmente inadequado".

Ele também critica o pacote da Coalizão, que, segundo ele, não fornece detalhes sobre como o financiamento seria alocado entre as iniciativas.

"Há um valor alocado mas não sabemos por quanto tempo esse financiamento será alocado ou para quais programas específicos. Ouvimos a oposição falar sobre segurança comunitária. Sabemos que as mulheres são as mais inseguras em suas próprias casas. Parece que a Coalizão está ignorando esse fato ou, pelo menos, não fazendo nada para resolver o problema na origem, que é o uso de violência doméstica por homens".

Antes desses anúncios, os dois principais partidos enfrentavam críticas por seu silêncio sobre o crescimento da violência doméstica no país.

Fran, cujo nome e voz foram alterados para proteger sua identidade, foi vítima de controle coercitivo, um tipo de violência psicológica e emocional.

"No início do relacionamento, tive um pressentimento de que algo não estava certo. Havia uma sensação de controle, uma necessidade de me ter só para ele. Depois de casar e ter filho, as coisas pioraram, como costuma acontecer. Sua máscara de empatia começou a cair. Ele me sacudia e gritava comigo, com o nosso bebê perto. Ele me seguia pela casa, me repreendia, me empurrava, e forçava a entrada nos cômodos quando eu tentava escapar dele. Era o clássico controle coercitivo".

Ela se separou do ex-parceiro há 10 anos, mas a violência coercitiva persiste à distância. Fran afirma que nã é possível dividir as responsabilidades parentais devido à incapacidade do ex-parceiro de cooperar, com incidentes constantes de abuso legal e financeiro.

"Ainda sofro controle coercitivo com e-mails e mensagens de texto enganosos, às vezes copiados para amigos, familiares, escolas, conselheiros, tudo para tentar me humilhar e envergonhar com alegações falsas sobre mim como mãe. Além disso, há o abuso financeiro contínuo e o enorme problema do abuso assistencial contínuo, particularmente o abuso legal".

Fran diz estar desanimada com a falta de debate sobre violência contra mulheres e crianças ao longo da campanha. Uma das principais questões que ela gostaria de ver abordada é o abuso de sistemas, em que aqueles que usam de violência exploram aspectos da justiça, instituições financeiras e outras, para causar danos às vítimas.

"O abuso legal é uma forma extremamente comum e dispendiosa de abuso de sistemas, especialmente envolvendo dinheiro. Utilizam o sistema de tribunais de família sem necessidade e ameaçam levar as vítimas ao tribunal. Vejo isso como uma extensão do abuso emocional que sofremos. Apesar das novas leis de controle coercitivo, é muito difícil provar que ele existe. E até agora, apenas um número muito pequeno de infratores foi processado. Se essa dificuldade persistir, gostaria de saber como os políticos revisarão essas leis e criarão modelos de dissuasão mais rigorosos para erradicar o comportamento controlador".

O grupo de defesa anti-violência No To Violence, que se concentra na prevenção de comportamentos violentos entre homens, organizou um fórum online que permitiu aos participantes fazer perguntas a diversos políticos.

Participaram do painel a ministra do Trabalho, Amanda Rishworth, a senadora da Coalizão, Kerryne Liddle, a deputada do Partido Verde, Larissa Waters, e a deputada independente, Zoe Daniel.

A organização No To Violence perguntou aos políticos presentes se eles estariam dispostos a se comprometer com uma estratégia específica em relação a pessoas que cometem violência.

A ministra do Trabalho e Serviços Sociais, Amanda Rishworth, afirma que seu governo se envolverá com homens e meninos na área de prevenção, particularmente no que diz respeito à misoginia online.

Já a senadora da Coalizão, Kerryne Liddle, afirma que, embora seja vital apoiar essas intervenções precoces, também é importante combater os fatores que impulsionam a violência, usando o exemplo da suspensão das restrições ao álcool no Território do Norte como um catalisador para o que ela descreveu como um subsequente aumento da violência.

Em resposta à mesma pergunta, a senadora do Partido Verde Larissa Waters enfatizou que a violência contra mulheres e crianças é um problema que os homens precisam resolver, enquanto a deputada independente Zoe Daniel também enfatizou que a misoginia online apresenta enormes desafios para a forma como os homens modelam o comportamento.

Tara Hunter afirma que os políticos têm permanecido "decepcionantemente silenciosos" sobre o assunto até agora.

"Acho que, no ano passado, nessa mesma época, houve uma reunião nacional de crise, com vários anúncios importantes. Houve uma revisão rápida das evidências de prevenção implementadas. Muito trabalho foi feito no último ano, e talvez haja essa sensação de que já está feito e encerrado, mas sabemos que se nós queremos acabar com a violência de gênero em uma geração, que é o que afirma o plano nacional, precisamos de um esforço realmente consistente".

Karen Iles trabalha na área jurídica e de advocacia contra a violência sexual, como diretora e principal advogadada da Violet Co Legal and Consulting, e também se mostra decepcionada com a falta de diálogo sobre o assunto.

Ela iniciou esse trabalho a partir da sua própria experiência pessoal de tentar acessar a justiça após as agressões sexuais sofridas na infância.

Quase nove em cada dez vítimas (87%) não denunciam a violência sexual à polícia, de acordo com o Departamento Australiano de Estatísticas. Um problema que Karen Iles testemunha diariamente.

"Praticamente ninguém denuncia à polícia, e há uma série de razões para isso. No topo da lista está a desconfiança se a polícia lidará com suas denúncias com sensibilidade, compaixão e foco na vítima, mas também, se você denunciar, se a polícia se dará ao trabalho de fazer alguma coisa. E isso é uma demonstração contundente sobre o estado do nosso sistema de justiça criminal, porque se as vítimas não confiam na polícia para denunciar, como elas podem alcançar algum senso de justiça?"

Ela pede que os políticos implementem imediatamente as recomendações dos inquéritos e do plano nacional, incluindo o inquérito sobre mulheres desaparecidas e assassinadas das Primeiras Nações, e a comissão de reforma legislativa sobre o sistema de justiça.

"Acho que, se olharmos para 2022, foi uma eleição em que se falou sobre ter sido vencida pelo trabalho das mulheres, pelo voto feminino, e é interessante que as questões de violência doméstica, familiar e sexual estejam em segundo plano. Essas são questões amplamente sentidas e vivenciadas por nossa comunidade. Quando você é alguém que sofreu violência doméstica, familiar ou sexual, ou é familiar de alguém, ou amigo de alguém, essas são questões que te tocam profundamente".

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