Destaques
- Katia começou a jogar futebol aos 21 anos e Mell aos 7, por influência da mãe
- Em Adelaide, onde vivem, o futebol é parte fundamental na rotina de mãe e filha, que já jogaram no mesmo time e hoje apoiam uma à outra nos seus clubes
- Essa entrevista com a Katia e a Mell integra a série de podcasts "Lugar de mulher é em campo", sobre a importância do futebol na vida de mulheres imigrantes
Em um universo esportivo na maioria das vezes dominado por homens, o futebol é quase sempre associado à paixão transmitida de pai para filho. Mas quem disse que esse amor não pode ser passado também através de um legado feminino?
Com o futebol entre as mulheres cada vez mais praticado e transmitido, a relação estreita delas com o esporte e a herança desse sentimento passada de uma geração para outra tende a aflorar e ficar cada vez mais evidente.
Para Kátia e Mell Targino, a bola é um dos elos mais importantes entre mãe e filha. Ambas são apaixonadas pelo futebol e vivenciam momentos especiais relacionados ao esporte, dentro e fora de campo.
Amor ao primeiro chute
A paixão pelo futebol nasceu com Katia, que teve a oportunidade de jogar pela primeira vez já na vida adulta.
“Eu comecei a jogar futebol na brincadeira. Na realidade eu praticava handebol, voleibol e atletismo, mas fui jogar futebol para abrir um campeonato masculino e me apaixonei. Eu tinha uns 20 ou 21 anos. Agora não existe mais nada, é só futebol. Os outros esportes ficaram para trás”.
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Katia (segunda jogadora agachada da direita para a esquerda) na época em que jogava futsal em Brasília, quando Mell ainda era criança. Source: Supplied
“Tudo que eu faço eu sempre envolvo a Mellanye. Então eu levava ela pra ver meus jogos e um dia ela falou: mãe, eu quero jogar. Eu perguntei pro meu técnico sobre a possibilidade dela jogar no time dos meninos e ele disse: por que não? Ela começou a jogar e se sobressair, botando os meninos para sentar no banco. Ela tinha mais ou menos seis ou sete aninhos, e desde então não parou mais”, conta a mãe, orgulhosa.
Tal mãe, tal filha
As primeiras memórias de Mell no futebol são exatamente as dos momentos descritos por sua mãe. A lembrança é de uma criança curiosa, inspirada pela mãe e suas amigas, querendo participar a todo custo da brincadeira que depois levaria a sério.
“Minha mãe sempre foi atleta e eu sempre ia assistir. Eu lembro de ver ela jogando futsal e eu tinha um relacionamento com as meninas do time dela, sempre conversava com todo mundo. Então eu comecei a querer entrar na quadra. Às vezes eu pedia pra chutar uma bola quando elas estavam treinando, uma pirralhinha de sete ou oito anos, com um time adulto treinando (risos)”, relembra Mell.
Minha mãe era atleta e eu sempre ia assistir. Eu lembro de ver ela jogando futsal e querer entrar na quadra pra jogar também.Mell Targino, Atacante do Sturt Lions, Adelaide
Desde então, o futebol se tornou uma atividade fundamental para Mell, que ela descreve como um mundo particular.
“Quando eu piso na quadra, ou no campo, é um mundo diferente. Eu sou simplesmente apaixonada e minha paixão a cada dia só cresce. Tudo que eu posso fazer em relação ao futsal ou futebol, eu faço. Dou treino, apito jogo, levo time pra disputar campeonato, eu jogo, faço tudo. E não pretendo parar até os 100 anos”, afirma.
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Mell jogando futebol em Adelaide. Ela teve que trocar as quadras pelo campo, já que não há tradição de futsal na capital de SA. Source: Supplied
“Hoje quem me ensina é ela. O futebol dela está mais elevado que o meu. Ela começou com seis, sete anos de idade. Eu não, comecei mais velha. Então apesar de ser mais nova, ela tem mais experiência do que eu no futebol. Eu olho ela hoje e vejo o tanto que ela evoluiu. Eu a vejo como uma guerreira, uma filha linda de coração, de corpo e alma, e uma atleta nota mil”, declara, emocionada.
Hoje quem me ensina é ela. O futebol dela está mais elevado que o meu. Ela começou nova, então tem mais experiência.Katia Targino, Lateral do Inter Salisbury, Adelaide
Viver o futebol de todas as formas
Jogar juntas, como adversárias ou torcer uma pela outra, é algo que já se tornou corriqueiro na vida futebolística de ambas, e a união entre mãe, filha e o esporte vai muito além das quatro linhas. Torcedoras do Fluminense e fãs da Seleção Brasileira Feminina, elas aguardam ansiosas por cada jogo da Copa do Mundo Feminina na Austrália, como nos conta Mell.
“Pra gente o futebol é jogar, assistir e participar. Já jogamos pelo mesmo clube, depois cada uma foi para um clube diferente. Mas ela vem assistir meus jogos, eu vou assistir os jogos dela. Se tem algum jogo que não é competição da liga, a gente joga juntas, ou contra. Quando tem pelada a gente joga com um grupo de brasileiras. Estamos indo agora assistir aos jogos da Copa em Adelaide e na final em Sydney. Então é futebol, futebol, futebol (risos)”, brinca.
Futebol como apoio num momento difícil
O futebol foi importante também num dos momentos mais difíceis da vida da dupla. A mãe de Katia, avó de Mell, Dona Ivette, foi diagnosticada com câncer de mama em 2022, e por isso Katia precisou passar um ano no Brasil acompanhando a mãe durante o tratamento.
Nesse período precisou se afastar do trabalho e, sabendo dos custos que a viagem a iria trazer, suas companheiras de clube criaram uma vaquinha online para arrecadar fundos e ajudar Katia com os gastos inesperados.
“O futebol vai além do que na quadra ou no campo. São essas coisas que acontecem que trazem a gente mais perto. Uma amiga nossa decidiu fazer uma arrecadação com o clube e me informou. Foi justamente a rodada do dia das mães. Elas venderam umas rifas de sorteio, com prêmios, e venderam as meias rosas com que elas jogaram”, conta Mell.
O futebol vai além do campo. Uma amiga fez uma arrecadação com o clube para ajudar minha mãe com os custos da viagem (para cuidar da avó doente).Mell Targino, Atacante do Sturt Lions, Adelaide
O valor da arrecadação foi de aproximadamente A$600, e ajudou a custear o transporte de Katia no período em que esteve no Brasil.
“Foi numa boa hora que veio a ajuda. O mundo desabou quando eu descobri (a doença da mãe). Fui para uma viagem de férias ao Brasil e soube do diagnóstico. Eu imediatamente liguei para o meu marido e para o meu trabalho na Austrália avisando que não iria voltar. Fiquei durante todo o processo de quimioterapia e depois radioterapia. Foi muito difícil, mas ela se recuperou e após tudo isso o médico nos falou que 50% da recuperação da minha mãe foi por eu ter ficado lá”, explica Kátia.
Fãs e apoiadoras uma da outra
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Katia hoje atua como lateral-esquerda do Inter Salisbury, em Adelaide, e acompanha os jogos da filha que é atacante do Sturt Lions. Source: Supplied
“Acontece só um pouquinho, não muito (risos). É mais instrução mesmo. Às vezes eu estou assistindo o jogo dela e fico correndo ali na linha lateral falando: mãe, você está impedida, volta! Segura! Ataca!”, conta Mell.
Às vezes eu estou assistindo o jogo dela e fico correndo na linha lateral falando: mãe, você está impedida, volta! Segura! Ataca!Mell Targino, Atacante do Sturt Lions, Adelaide
“Eu já grito mais pra ela, faço a maior bagunça e não tô nem aí. Eu grito: vai, bora! E quando faz gol, grito: é minha filha!”, diz Kátia.
Perguntadas sobre quem é a melhor jogadora das duas, elas dão risada, mas a resposta fica para a mãe orgulhosa:
“A Mellanye é melhor, com certeza. Não falo só com o coração de mãe. Como eu falei antes, começou cedo, pegou mais técnica, teve mais tempo, isso tudo conta. Mas eu acho que eu também sou uma boa jogadora”.
Mell afirma logo em seguida: "É boa sim, é uma ótima jogadora. Melhor que muitas meninas mais novas do time".
Essa entrevista com a Katia e a Mell integra a série de podcasts da SBS em Português , pela ocasião da Copa do Mundo Feminina de futebol de 2023 na Austrália e Nova Zelândia.
A série é produzida e apresentada por Mariana Gotardo e Edu Vieira, com apoio de Luciana Fraguas, Joel Supple e Manoel Costa.
Outros episódios da série:
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Futebol amador levado a sério: brasileira brilha nas quadras e campos de Melbourne
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