Destaques
- Tami Souza foi colega de time da lateral da seleção brasileira Antonia, em 2017 na Ponte Preta, com quem se reencontrou na Austrália em 2021
- Quando decidiu morar na Austrália, a intenção de Tami não era jogar futebol, mas buscar uma vida melhor
- Essa entrevista com a Tami integra a série de podcasts "Lugar de mulher é em campo", sobre a importância do futebol na vida de mulheres imigrantes
Para quem nasce e cresce numa favela no Brasil, pode ser difícil vislumbrar um futuro melhor, e menos ainda uma carreira internacional, seja em que área for. Mas no caso de algumas dessas crianças, o futebol pode ser o passaporte para essa conquista.
Foi o que aconteceu com Tami Souza, brasileira que encontrou no esporte a sua paixão e escape do que a poderia levar, como definiu com suas próprias palavras, para "um caminho errado".
Aos 30 anos, Tami é jogadora do Macarthur FC, de Sydney, time pelo qual foi artilheira da temporada de 2022 da League One de Nova Gales do Sul, NSW, com incríveis 43 gols, e eleita melhor jogadora da competição.
Pedras no caminho
O trajeto até chegar aos gramados de Sydney não foi fácil. Nascida e criada numa favela de Campinas, no interior de São Paulo, Tami viu o esporte inicialmente como um escape.
“Eu cresci numa favela de Campinas, eu via muita coisa ruim. O futebol me salvou, me manteve longe de coisas que poderiam me levar para um caminho errado. Eu vi no futebol um escape, para me manter longe de todos os problemas que a gente sabe que existem no Brasil. Então, na verdade, no começo o futebol foi mais pra eu me manter ocupada”, relembra Tami.
Eu cresci na favela, vi muita coisa ruim. O futebol me salvou, me manteve longe do que poderia me levar para um caminho errado.Tami Souza, Atacante do Macarthur FC, Sydney
Mas aos poucos o futebol foi ganhando mais importânciana vida da Tami, e com o passar dos anos, o talento foi se desenvolvendo, até que a menina da periferia de Campinas decidiu que queria levar o esporte mais a sério.
“Eu comecei a jogar futebol, acho que como toda criança no Brasil, jogando na rua com os meninos. Porque quando você tem essa idade não tem muito time feminino. Eu comecei a jogar aos sete anos, mas fui a levar a sério a partir dos 14, quando passei a jogar campeonatos. Comecei a levar mais a sério os treinamentos, a forma de me alimentar. Foi quando comecei a me dedicar mais ao futebol".
Após alguns anos se destacando em equipes de futsal do interior de São Paulo, ela fez a transição para os gramados em 2017, ao atuar pelo time profissional da Ponte Preta, onde teve a oportunidade de jogar ao lado de Antonia, lateral da seleção brasileira, que também foi entrevistada na série “Lugar de Mulher é em Campo”, e de quem vamos falar novamente um pouco mais adiante.
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Tami (à esquerda com as mãos nos joelhos) quando jogou pela Ponte Preta, em São Paulo, e foi colega da Antonia (atrás, do lado esquerdo da jogadora de colete laranja), e Kerolin (sentada de chuteira amarela) que hoje integram a seleção. Credit: Ponte Preta
Mesmo já nos gramados, o futsal voltou a ser decisivo na vida de Tami. Foi através das quadras que surgiu, por acaso, a oportunidade dela vir para a Austrália pela primeira vez, em 2018, após um convite feito por uma amiga.
“Uma amiga minha estava vindo para a Austrália jogar futsal, e uma menina de Minas Gerais que viria com ela acabou desistindo. Ela então me perguntou se eu queria vir. Tudo aconteceu em um mês. Era pra ser. Eu não estava esperando, nem sabia onde era a Austrália".
Ao contar o motivo de ter aceitado o convite para vir para o outro lado do mundo jogar futsal, Tami diz: "Eu estava jogando na Ponte Preta na época e a ajuda de custo não era muita. Minha mãe estava me cobrando que eu deixasse o futebol para trabalhar e ajudar na renda da casa. Então eu vi a vinda para a Austrália como uma oportunidade única.”
Minha mãe me pediu para deixar o futebol, trabalhar e ajudar em casa. Então eu vi na Austrália uma oportunidade única.Tami Souza, Atacante do Macarthur FC, Sydney
A primeira passagem pelo país foi rápida, apenas por três meses e meio, mas rendeu frutos. Tami retornou à Austrália no ano seguinte para jogar futsal pelo Hakkoa FC, só que dessa vez com outros olhos.
“Na segunda vez que eu vim para a Austrália, em 2019, foi quando comecei a me interessar. Conheci outras brasileiras que moravam aqui, me interessei mais pela cultura, adaptação, falar inglês. Recebi apoio do clube e de pessoas que estavam ao meu redor, então me senti acolhida. Eu vi ali uma chance para mudar de vida. ”
Após mais uma curta temporada, Tami voltou ao Brasil, dessa vez já fazendo planos para retornar à Austrália. Em 2020, novamente com o apoio do clube de futsal para o qual tinha jogado no país, veio para estudar inglês e, desde então, não deixou mais a Austrália.
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Tami numa das primeiras vezes que veio à Austrália, para passar três meses jogando futsal pelo Hakkoa FC. Source: Supplied
De volta ao país, Tami passou por altos e baixos durante a pandemia da COVID. Enquanto se adaptava, levou negativa de clubes profissionais, foi campeã em campeonatos amadores, continuou jogando futsal, teve nova oportunidade profissional interrompida pelos períodos de lockdown, e aos poucos foi trilhando seu caminho até chegar ao Northbridge Bulls, em 2021, que logo depois passou a integrar o Macarthur Bulls, clube recém introduzido na A-League.
Reconhecimento
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Tami entre os premiados da League One do estado de Nova Gales do Sul, NSW. Ela foi eleita "jogadora do ano" de 2022. Credit: Football NSW
“É bem especial, me faz sentir que tudo o que eu fiz lá atrás, de abrir mão da minha família e vir pra cá sozinha, valeu a pena. Então eu fiquei super feliz, sem palavras. Eu fui convidada para assistir a premiação dos homens da A-League e eu não fazia ideia de que ia ser premiada lá. Eu estava na última mesa e eles começaram a falar da atleta que fez 43 gols. Na hora que olhei, minha foto estava no painel, todo mundo olhando pra mim, batendo palma. Não sabia o que fazer. Foi muito gratificante.”
Quando vi, minha foto estava no painel, todo mundo me olhando, batendo palma. Não sabia o que fazer. Foi muito gratificante.Tami Souza, Atacante do Macarthur FC, Sydney
Chegar à A-League
O próximo objetivo a ser alcançado por Tami é bem claro, disputar a A-League Women, maior competição nacional. Com o destaque nos torneios em Nova Gales do Sul, NSW, as sondagens já começam a surgir, e o sonho de atuar no mais alto nível do futebol na Austrália parece cada vez mais perto de se tornar real.
“A A-League é a competição top daqui. Pra mim, que já passei por tudo que passei e ver que eu estou perto do topo, reforça que meu objetivo é chegar lá, estar na A-League e poder ter essa experiência de jogar contra os melhores times da Austrália. Se não for esse ano, no próximo ano eu tenho boas chances de estar lá, se Deus quiser.”
Apoio de quem já está lá
A grande referência de Tami Souza na A-League Women é a brasileira Mariel Hecher, jogadora do Brisbane Roar e única brasileira na competição atualmente. As duas são velhas conhecidas dos tempos de futsal no interior de São Paulo e nas ligas regionais de Sydney, como nos contou a própria Mariel.
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Tami e Mariel quando jogavam em times de futsal rivais. Source: Supplied
“A Mariel me ajudou bastante a permanecer no clube que estou hoje. Para mim e para outras meninas brasileiras ela é uma referência e uma menina super gente boa. Me ajudou bastante e fez diferença na minha escolha”, diz Tami.
Copa do Mundo
Empolgada com a Copa do Mundo Feminina na Austrália, Tami tem um motivo especial para torcer pela seleção brasileira. Como citamos anteriormente, a lateral Antonia foi sua companheira de clube na Ponte Preta, e com quem ela compartilhou um momento de emoção no amistoso que o Brasil fez com a Austrália, em Sydney, em 2021.
“Esse jogo do Brasil foi o primeiro jogo feminino que assisti em um estádio. No Brasil, não tinha dinheiro para ir ao estádio. Quando vi a Antonia no final do jogo, eu pedi a camisa dela. Primeiro ela pediu desculpas e disse que não podia dar, por causa das restrições da pandemia, mas depois que uma outra jogadora tirou a camisa e deu para a torcida, ela correu até onde eu estava e me entregou a camisa dela. Eu comecei a chorar”, lembra.
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Tami com a camisa que ganhou da lateral da seleção brasileira Antonia, após amistoso entre Brasil e Austrália em Sydney, em 2021. Source: Supplied
Essa entrevista com a Tami integra a série de podcasts da SBS em Português , pela ocasião da Copa do Mundo Feminina de futebol de 2023 na Austrália e Nova Zelândia.
A série é produzida e apresentada por Mariana Gotardo e Edu Vieira, com apoio de Luciana Fraguas, Joel Supple e Manoel Costa.
Outros episódios da série:
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