As mães ameríndias – tal como as inuits e as mestiças – sofriam forte pressão para entregarem os filhos aos internatos católicos para que fossem assimiladas, isto é, forçadas a abandonar a cultura indígena nativa, obrigadas a apagar o passado e reeducadas para adotarem a cultura branca – cristã – de facto, católica
Victoria Macintosh viveu nesse pensionato sem poder transpor os muros do colégio internato durante 21 anos – dos 6 até ao dia em que conseguiu fugir, tinha 27 anos.
Ela conta que sofreu humilhações e abusos, que o padre que governava o internato abusou dela vezes sem conta.
Esse padre tem hoje 92 anos – e provavelmente não vai chegar a ser julgado.
Muitas outras internas do pensionato de Edmonton sofreram o mesmo que Victoria e apresentaram queixa contra esse padre.
As práticas eram idênticas nos outros pensionatos dedicados à política oficial de assimilação dos indígenas, tudo aconteceu durante mais de um século - entre 1880 e 1996.
Está apurado que foram mais de 150 mil as crianças indígenas forçadas a essa assimilação em 139 internatos principais por todo o Canadá – sobretudo no noroeste do enorme país.
A violência incluía submissão à fome e ao não tratamento de doentes.
A macabra descoberta no ano passado de 215 corpos de crianças sepultadas em modo anónimo junto a um desses internatos, tornou mais insuportável a notícia destes abusos e violências sem fim.
De tal modo que o papa Francisco, horrorizado, apesar de com a saúde debilitada por incapacidade de um dos joelhos, decidiu que teria mesmo de viajar ao Canadá para 6 dias do que chama de peregrinação penitencial
Ele quer, olhos nos olhos, em muitos casos, mão na mão – como o de Victoria Macintosh, pedir-lhes desculpa em nome da igreja católica, por entender que esse é um dever primordial do chefe da igreja católica – para que possa ser construída a reconciliação..
Quase sempre em cadeira de rodas, às vezes de pé e a caminhar apoiado num bastão o papa quer dedicar todos estes 6 dias no Canadá – à peregrinação penitencial como algo que desses por onde desse não queria deixar de fazer.
O grande foco está nos abusos no largo século de inferno – entre 1880 e 1996 – este o ano em que os pensionatos foram fechados.
Mas o atual Papa tambem tem consciência de que a origem do mal vem muito de trás – vem do século 15 – o tempo dos descobrimentos, quando um espanhol de Valencia, um homem influente – pelo menos 8 filhos de outras tantas mulheres, Rodrigo Bórgia, foi escolhido para ser papa.
Aconteceu em 1492 – o ano em que Colombo chegou às Caraíbas e voltou para Espanha com ouro, papapagaios, prisioneiros indígenas e siflis
Rodrigo Borgia optou ser designado papa Alexandre 6º.
E, para alem de nomear filhos e sobrinhos para postos religiosos de cardeais - teve papel determinante na chamada Doutrina dos Descobrimentos, a doutrina que usou bulas papais para determinar que os navegadores das nações cristãs da europa tomassem terras indígenas e evangelizassem esses povos.
Papas anteriores, designadamente Sisto 4º e Inocêncio 8º já tinham atribuído ao Reino de Portugal o direito exclusivo a negociar como escravo o povo da África ocidental este Papa Alexandre 6º - foi promotor do tratado de Tordesilhas – assinado em 1494 (portanto 2 anos depois de tomar posse)
Um tratado em que o Papa nascido em Valencia dividia o mundo em 2 soberanias – separadas por uma linha vertical na extrema do Atlantico.
Ele pretendia que as Américas ficassem para a coroa de Castela
E África – para Portugal sucede que a linha vertical deixou do lado português uma protuberância da América do Sul – é assim que o Brasil ficou para Portugal.
De facto – é nesse tempo dos descobrimentos – que começam as políticas de assimilação dos indígenas com tanta violência e tanto abuso.
O Papa que vem lá do longe da América do Sul – quer que a igreja repare o passado e cultive a tentativa de reconciliação nestes dias dedica-se aos povos do norte abusados num tempo mais próximo, o último século e meio.
Como pastor da igreja de Roma cumpre o dever de memória – no Canadá, país reconhecido como terra solidária de acolhimento – mas que ao mesmo tem dentro esse inferno - o atual primeiro ministro Justin Trudeau já lhe chamou esterilização forçada e genocídio de povos indígenas.
O papa vai logo à tarde no estádio de Edmonton partilhar a dor das pessoas violentadas – como a Victoria Macintosh do começo desta crónica, olhos nos olhos.
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