Vistos negados e elevado custo de vida têm feito estudantes internacionais considerarem sair da Austrália

Visa Refusal

O ‘sonho australiano’ vem se desfazendo a cada ano, com o aumento da crise habitacional pós-pandemia e a crescente inflação que o país enfrenta nos últimos três anos, o governo federal vem estreitando as portas para alunos internacionais. Source: Getty / Getty Images/maybefalse

Com as novas políticas de migração governamentais restringindo ainda mais o acesso a vistos de estudante e a constante alta nos preços de itens e serviços básicos, estudantes internacionais enfrentam muitos desafios para se manter no país.


PONTOS-CHAVES
  • O número de pedidos de visto de estudante aprovados pelo Departamento de Assuntos Internos da Austrália continua diminuindo.
  • Cidades australianas estão entre as top-10 mais caras para se viver no mundo. Alto custo de vida também é motivo para muitos deixarem o país.
  • Em meio à crescente taxa de rejeição de pedidos de visto de estudante, alguns estudantes internacionais estão optando por voltar para seu país, enquanto outros planejam concluir seus estudos.
Amanda Marques, de São Paulo, chegou a Sydney em 2023 com o objetivo inicial de estudar inglês, enquanto considerava outras possibilidades de permanência no país. Amanda descreve como a agência de migração vendeu uma imagem da Austrália enquanto ela estava no Brasil, mas isso não correspondeu à realidade que encontrou ao chegar na terra dos cangurus.
A agência disse que seria super tranquilo, que me ajudariam com moradia quando chegasse e que bastava fazer um curso de barista para estar tudo bem. Mas quando cheguei aqui, percebi que as agências de intercâmbio estão mais interessadas em vender do que em fornecer informações precisas.
O ‘sonho australiano’ vem se desfazendo a cada ano, com o aumento da crise habitacional pós-pandemia e a crescente inflação que o país enfrenta nos últimos três anos. Acomodações caras e extremamente competitivas, preços inflacionados nos supermercados, aumento dos preços do petróleo, da gasolina, dos alimentos e das passagens aéreas estaduais e internacionais têm prejudicado cada vez mais o bolso dos residentes desde o início da pandemia em 2020.
Eles vendem uma realidade que talvez fosse verdade há 10 anos atrás, mas definitivamente não é a Austrália de hoje, embora ainda vendam essa ideia.
Formada em administração e com experiência na área no Brasil, Amanda trabalhou como babá e auxiliar escolar ao chegar à Austrália, o que a ajudou a praticar o idioma enquanto estudava. “Esses trabalhos foram bons para me forçar a falar inglês com outras pessoas”, lembra Amanda.

Aumento de vistos de estudantes negados em 2024
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Mais de 34 mil aplicações de visto de estudante foram feitas no mês de março. No entanto, apenas 6.834 foram aprovados. Source: Getty / Getty Images/urbazon
De acordo com o , os dados mais recentes do Departamento de Assuntos Internos mostram que os pedidos de vistos de estudante de pessoas que já estavam na Austrália aumentaram para 34.388 em março de 2024, contra 25.886 em março de 2023. No entanto, apenas 6.834 foram aprovados durante o mês, em comparação com 18.604 no ano anterior.

No primeiro semestre de 2024, Amanda precisou renovar seu visto de estudante. Assim como milhares de estudantes internacionais desde o último trimestre de 2023, ela tem enfrentado com apreensão cada mudança nas políticas migratórias do governo australiano.
“A maioria das pessoas que conheço está nessa situação, lutando para sobreviver com o alto custo de vida e, ao mesmo tempo, preocupadas com a renovação do visto com essas novas políticas de migração”, diz Amanda.

A agência de migração orientou Amanda a fazer um curso VET (Vocational Education and Training) de cuidadora de idosos, pois essa é uma das profissões em demanda no país. Apesar de o curso não ter relação com sua carreira até então, Amanda foi convencida.

“A agência argumentou que, depois de obter minha residência permanente, eu não precisaria mais trabalhar nessa área. Mas eu discordo disso; se o país precisa, é porque há uma demanda”, lembra Amanda.

Meses após a aplicação do visto de estudante, seguindo o plano sugerido pela agência, Amanda recebeu a notícia de que seu visto foi negado. A justificativa foi que o curso sugerido na aplicação não condizia com suas qualificações anteriores.

A agência sugeriu que Amanda apelasse da decisão, mas ela começou a questionar o processo.
A agência cobrava caríssimo para fazer a apelação. Comecei a questionar se valia a pena todo esse processo por um visto de estudante em uma área que eu não desejava seguir. Então, decidi voltar para o Brasil.
O plano do governo federal é reduzir a migração líquida para 235.000 nos próximos três anos, exigindo que o número de estudantes que chegam ao país caia para cerca de 95.000 – 40% abaixo dos números pré-pandemia.

A análise para o , Abul Rizvi, ex-secretário adjunto do Departamento de Imigração, entende que se baseado nas políticas anunciadas para reduzir a migração líquida para 160 mil, apenas 10 mil a 15 mil novos vistos de estudante poderiam ser concedidos anualmente.

“Os estudantes são os maiores contribuintes para o saldo migratório”, diz Rizvi.

Para Amanda, o maior alerta é sobre o pensamento de “fazer qualquer coisa para conseguir um visto”, o que leva muitas pessoas a se envolverem em práticas duvidosas durante períodos de instabilidade no país.
Havia até grupos criados pelas agências, como ‘do zero à cidadania’, incentivando as pessoas a fazer cursos sem relação com suas carreiras, prometendo um caminho para a residência.
Ela ressalta que nem todas as agências são assim e que algumas oferecem uma análise transparente para cada caso. “As pessoas precisam distinguir o que é certo do que é errado, em vez de simplesmente seguir o que todos estão fazendo por causa da crise”, conclui Amanda.

Crise financeira, custo de vida elevado e redução nas oportunidades de estudo e trabalho qualificado também são motivos para muitos escolherem sair da Austrália
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Gráfico descreve as cidades mais inacessíveis por custo habitacional. Source: SBS
O analisou a acessibilidade habitacional para rendimentos médios em 94 mercados principais em oito países, incluindo Austrália, Canadá, China, Irlanda, Nova Zelândia, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos.

Sydney ficou em segundo lugar no ranking das cidades mais caras para se viver no mundo, com um preço médio de moradia atual de $1,3 milhão. Outras cidades australianas também estão na lista de alta acessibilidade: Melbourne em 9º, Adelaide em 14º e Brisbane em 15º. Perth ficou em 50º lugar.
Esses números refletem diretamente na capacidade dos trabalhadores e estudantes internacionais de se manterem no país. Muitos migrantes, como Gabriela Bertotti, que veio para Melbourne para estudar inglês, decidiram retornar ao Brasil devido aos altos custos e à burocracia associada ao curso de enfermagem
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Gabriela é uma dos vários estudantes internacionais que consideram sair da Austrália, e não renovar o visto atual.
"Além de valores altíssimos para a educação universitária, que é três vezes mais caro para o aluno internacional que o nacional, conheço pessoas que cursaram enfermagem no Brasil, nos Estados Unidos, até na Europa que estão fazendo as provas solicitadas pelas universidades ou aplicando para o visto, e estão sendo recusadas. Para mim, voltar para o Brasil parece a melhor opção", diz Gabriela

Ter um plano de carreira com propósito.

O agente de migração na Austrália há mais de dez anos de experiência no mercado, Claudio Garzini apresenta em entrevista para SBS Portuguese algumas razões para o aumento no índice de rejeição de aplicação de vistos de estudante pelo governo australiano.              

Claudio, explica que o aumento na taxa de rejeição de pedidos de visto de estudante pelo governo australiano se deve, em parte, ao fato de muitos estudantes optarem por cursos de baixo nível acadêmico, o que não contribui para sua carreira.
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Claudio Garzini é agente de migração registrado com mais de 10 anos de experiência.
“Espera-se que pessoas com bacharelado busquem qualificações superiores, mas muitos buscam cursos de nível mais baixo, o que é visto como uma tentativa de permanecer na Austrália sem um propósito claro de se qualificar em suas carreiras.”

Para ouvir as entrevistas completas clique no 'play' desta página, ou ouça no perfil da SBS Portuguese na sua plataforma de podcasts preferido.

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