Surfista cego Matt Formston, da Austrália, encara as grandes ondas da Nazaré

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Matt Formston, the professional cyclist who turned to surfing big waves is 'legally blind', which he says, can be an "advantage"

As ondas gigantescas da Praia do Norte, na Nazaré, Portugal, atraem surfistas de todos os cantos do mundo, e mais recentemente o tricampeão mundial de surf, Matt Formston, que é cego. A entrevista foi gravada em inglês.


Reportagem
  • Aos 44 anos, Matt surfou as ondas da Nazaré, com a ajuda de sua equipe e guiado pelo som de um apito.
  • Matt enfrentou o desafio mais difícil do surf, sem ter a habilidade de ver a onda.
  • “Minha perna na prancha é a minha bengala no chão, consigo assim sentir o mar por baixo da prancha.”
  • O australiano é apaixonado por Portugal e diz que vai voltar.
As ondas da Praia do Norte são diferentes: mais pesadas, poderosas, menos previsíveis e, para muitos, ameaçadoras.

Com ondas de 25 metros ou 82 pés, este é o considerado 'santo graal' do surf e apenas alguns são corajosos o bastante para enfrentar as gigantescas paredes líquidas.
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"When you drop, I was going very fast. Like the fastest I've ever been in the ocean in my life and I've surfed for over 30 years," says Matt.
Uma dessas pessoas é o atleta tricampeão mundial de para-surf, que representou a Austrália no ciclismo nas Paraolimpíadas do Rio de Janeiro, Matt Formston.

O ciclista profissional que passou a surfar ondas grandes é legalmente cego, o que, segundo ele, pode ser uma vantagem.
Às vezes, ser cego ajuda a enfrentar as maiores ondas… você não consegue vê-las.
Matt
'Por que Nazaré?, por que não?'

O 'Blind Surfer', nome que carrega escrito nas costas do seu wetsuit, falou à SBS Portuguese de sua casa em Lennox Head, uma cidade na região de Northern Rivers, em New South Wales.
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Matt's suit is marked "Blind Surfer", the only way someone would know about his disability.
Aos cinco anos, Matt perdeu 95% de sua visão. Mas como é ser legalmente cego?

“Posso ver formas e linhas. Tudo é um grande borrão; Posso ver o horizonte como uma linha entre o céu azul e o chão. Mas não consigo ver nenhum detalhe. As pessoas me parecem desenhos animados, personagens. Eu posso ver apenas o contorno de seus rostos, às vezes, se elas estiverem perto de mim.”

Sempre à procura de novos desafios, o ex-ciclista paraolímpico e surfista profissional cego lançou-se no seu mais temido e perigoso desafio: o Big Wave Surfing e seguiu para o templo do surf, Nazaré.
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Guided by the sound of a whistle: Matt's teammates would blow a whistle to let him know it was time to let go of the rope. "I trusted them with my life," says Matt.
“Minha vida inteira eu queria ir para Nazaré. Adorei a sensação de surfar ondas gigantes.”

Matt e a sua equipe chegaram a Portugal em novembro de 2022, com o diretr e produtores do documentário The Blind Sea que será lançado no final de 2023. (Spoiler “eu surfando nas grandes ondas da Nazaré será o clímax do filme”, diz ele.)

A minha primeira vez em Portugal e todos me disseram que ia adorar. E as pessoas são incríveis. A comida era incrível," recorda Matt, da sua aventura em terras lusas.

Diante das grandes ondas da Nazaré, alguns surfistas às vezes não entram no mar, mas não Matt.

“Provavelmente um benefício para mim é que não consigo ver as ondas. Mesmo quando surfo, tipo, ondas de 12 metros de altura. Meus amigos e equipe dizem: 'você tem sorte de não poder ver as ondas hoje; elas estão assustadores e se você pudesse vê-las, não entraria. “
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Matt's team and camera crew
Matt diz que não toma a decisão de entrar no mar. Ele confia na sua equipe.

“Os surfistas costumam ficar no forte da Nazaré, ao lado do icônico farol vermelho, e dizem: 'sim, hoje é o meu dia, ou não, é tudo muito grande, muito assustador', diz.

Uma vez dentro da água e sem poder usar a visão, ele é guiado pela equipe do jet ski. Que o leva até a onda ideal e avisa, por meio de um apito, quando ele deve soltar da corda que o prende ao jet ski.
Biggest Wave In The World, Nazare, Portugal
Riding the giants: big wave surfing in Nazaré attracts surfers from all over the world Credit: RichardALock/Getty Images
“Não consigo ver quando devo soltar a corda. Sou dirigido por meu companheiro de equipe no jet ski. Ele apita e eu solto.”

Questionado sobre como é a sensação de estar no topo das ondas magníficas da Nazaré, Matt lembra que não saberia dizer quão alto ele se encontrava.

“Só descobri o tamanho da onda quando cheguei ao pé dela, porque pude sentir o quão longe e incrivelmente rápido eu caí.”
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The Blind Sea documentary artwork by Brick Studios
“Quando estou surfando ondas grandes não consigo ver nada. É tudo baseado no que sinto, em sentimento e medo. Eu sinto a onda embaixo da minha prancha, e uso o pé da frente como minha bengala, como se estivesse usando uma bengala para sentir o chão. E então eu “vejo” as coisas que são importantes para mim.

“Em Nazaré, as ondas parecem uma bomba quando explodem, mas não ouvi muito isso porque estava muito concentrado nas informações de que precisava. E essa informação era o apito.

Meu piloto de jet ski, Lucas [ex-campeão brasileiro de surf Lucas Chumbo que agora está rebocando surfistas na Nazaré] com meu companheiro de equipe Dylan Longbottom, me guiaram.
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Matt Formston: Paralympian, World Cup Gold Medalist in Tandem Cycling, 3x World Champion surfer, husband and father to three.
Para quem ouve, ouvir Matt falar é assustador.

O surfista cego está no topo da maior onda do planeta e sendo guiado pelo som de um apito...

“Meu colega Dylan Longbottom apitava quando eu tinha que soltar a corda e depois apitava de novo, assim que eu chegava ao pé da onda. Sei então que precisarei virar e atravessar a onda. Ele apitava pela terceira vez para eu sair. Então, usando esse processo, pegamos cerca de 25 ondas na Nazaré.”

É um grande risco para o piloto do jet sky e companheiro de equipe, diz ele; afinal, estão levando um cego para ondas de 20 metros de altura, um prédio de cinco andares de água.

"É muito perigoso. É uma grande honra para mim.”

Ele explica que o processo envolve confiança mútua. “Eu confio neles com a minha vida, mas se algo der errado, eles estão colocando em risco suas carreiras porque, você sabe, se eles matarem um cego no surf, isso seria muito ruim para todos.

“Estamos todos confiando uns nos outros para fazer a coisa certa. Estou confiando neles para me colocarem na posição certa e eles estão confiando em mim para surfar a onda.

Matt e sua equipe ficaram em Portugal por 12 dias, pegando ondas de 12 a 20 metros de altura. Ele diz que há uma onda que sua equipe ainda está medindo, mas que tem cerca de 20 metros de altura.
Quando você cai, você cai muito rápido. O mais rápido que já caí na vida e surfo há mais de 30 anos. Em Nazaré, a sensação de velocidade é muito forte e conforme eu descia parecia um preciício. Eu estava a quase 70 quilômetros por hora.
Matt Formston, the Blind Surfer
Para Matt, mais importante do que um título ou a quebra de um recorde por um surfista cego, é a sensação de poder competir, de poder ‘ver’ o que é possível.

“Ainda estou tentando encontrar meu limite.”

O documentário The Blind Sea, da Brick Studios, vai ao ar no início do próximo ano, e contará com Matt Formston perseguindo as grandes, perigosas e cheias de adrenalina da sua amada Nazaré.
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